Líderes guarani pedem a candidatos compromisso com Terras Indígenas de SP
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Por Jera Guarani e Tiago Karaí, lideranças da Terra Indígena Tenondé Porã, habitada pelo povo Guarani, no extremo sul de São Paulo, e membros da Comissão Guarani Yvyrupa, especial para a coluna
Qual das maiores metrópoles do mundo pode dizer que têm Terras Indígenas em seus limites, habitadas por um povo que mantém sua língua e cultura tradicionais - e que protege o que restou das florestas e mananciais da cidade? Apenas São Paulo.
Apesar dessa característica que coloca a capital paulista como uma cidade única no mundo, ainda não existe uma política pública garantida em lei para proteger as duas Terras Indígenas presentes no município, nem o trabalho que nós, povo Guarani, desenvolvemos como guardiões da riqueza ambiental de São Paulo.
Somos cerca de 2.500 pessoas e vivemos em 17 aldeias localizadas nas zonas Noroeste e Sul da cidade. Nossas terras, Jaraguá e Tenondé Porã, já são demarcadas e contribuem para a preservação de grande parte das áreas verdes que circundam São Paulo. Mas proteger e recuperar um bioma que foi tão degradado como a Mata Atlântica da capital demanda apoio, por isso queremos que nosso trabalho seja reconhecido como um bem público da cidade.
Iniciamos uma campanha pela aprovação, ainda em 2020, do Projeto de Lei 181/2016, batizado de PL do Cinturão Verde Guarani. Essa é uma luta antiga e precisamos saber: por que a atual gestão da Prefeitura até agora não se comprometeu a sancionar esse projeto tão importante para a cidade?
Desde 2017, quando o PL foi aprovado em primeira votação na Câmara Municipal, temos angariado apoio no Legislativo. Hoje, já são dez vereadores de diferentes partidos que abraçaram o projeto e o assinam como coautores, além dos muitos outros que votaram e apoiam sua aprovação. Contudo, o mesmo diálogo e apoio não se deu no Executivo. Há três anos aguardamos um posicionamento da Prefeitura sobre esse projeto para garantirmos que, aprovado em segunda votação na Câmara, venha a ser prontamente sancionado.
Já expressamos diversas vezes à atual gestão a abertura ao diálogo e a eventuais alterações no texto, desde que não se perca sua essência. Queremos chegar a uma versão de consenso e possibilitar que o PL seja aprovado ainda em 2020.
Mas nas duas últimas reuniões que fizemos com a gestão Bruno Covas não houve sequer um posicionamento claro da Prefeitura. Por que a gestão demora em firmar um compromisso com um projeto que visa proteger e valorizar a riqueza ambiental de São Paulo, por meio das práticas e saberes desenvolvidos em territórios guarani?
Queremos nosso trabalho reconhecido na proteção do meio ambiente
Muito do que sempre fizemos ao buscar uma vida em equilíbrio nas matas, os jurua, não indígenas, chamam de serviços ecossistêmicos. Esses serviços são os trabalhos que realizamos em diversas frentes e que geram resultados positivos para a cidade inteira, como, por exemplo, a proteção de nascentes e mananciais; as ações de saneamento ecológico; a promoção de turismo de conscientização nas aldeias; a recuperação e o fortalecimento das abelhas nativas, que possibilitam a continuidade dos ciclos na agricultura; a recuperação de solos degradados por meio de plantio agroflorestal; a salvaguarda de variedades de sementes; entre outros.
O trabalho relacionado às sementes tradicionais garante aquilo que os cientistas jurua reconhecem como algo fundamental para o plantio de alimentos no futuro: a diversidade genética de espécies agrícolas. Enfim, são uma série de iniciativas que queremos que sejam compreendidas como um bem público e, portanto, que sejam garantidas como uma política permanente para a cidade.
Nossa reivindicação se torna mais urgente quando nos damos conta de que outras áreas verdes de São Paulo, fora de nossos territórios, são amplamente desmatadas pela especulação imobiliária, como demonstram reportagens publicadas, que alertam para a "boiada" que está passando sob vista grossa das autoridades. Isso pode aprofundar a crise ambiental e sanitária que todos, indígenas e não indígenas, estamos sofrendo.
Há muitas pesquisas que relacionam a pandemia de covid-19 ao desequilíbrio gerado pela destruição de ecossistemas, onde causam problemas para muito além do local em que foram gerados. A terra nos é comum e para continuarmos compartilhando-a, precisamos de apoio em nossos modos de cuidar, preservar e viver da natureza. Esse é o projeto que defendemos para nossas terras e que queremos que também se estenda ao resto da cidade: que o #CinturãoVerdeGuarani seja um território que ajude a promover a restauração e revitalização da cidade como um todo.
Nosso município só tem a ganhar por abrigar comunidades indígenas protegidas e fortalecidas em seus limites territoriais: assim como pode perder, ao contrário, se nossas terras não se tornarem um patrimônio ambiental e cultural da cidade, garantindo o direito a um meio ambiente equilibrado para todos.
A cidade de São Paulo pode ser um exemplo para todo país ao criar uma política municipal para Terras Indígenas.
Nesse período eleitoral, em que os candidatos a prefeito debatem uma série de planos para a cidade, chama a atenção a falta de projetos para as Terras Indígenas. Estamos aqui para lembrar que nós, indígenas guarani que habitamos o Cinturão Verde de São Paulo, temos um projeto para a cidade e cobramos um posicionamento de todos os candidatos - principalmente daquele que atualmente ocupa o cargo de prefeito e ainda não nos deu uma resposta em relação ao PL 181/2016, que queremos aprovar este ano. Ainda há tempo.