Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Com declarações toscas, Guedes deixa claro lugar de pobre na sua sociedade
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Paulo Guedes reclamou de acesso de pobre ao financiamento universitário. A isso se soma a desaprovação a empregadas domésticas viajando à Disney, a critica ao aumento na expectativa de vida da população, a insinuação de um novo AI-5 diante de protestos de rua contra o governo, a rotulagem dos servidores públicos como parasitas, a repreensão a pobres por não pouparem e a associação deles à destruição do meio ambiente.
Nesta quinta (29), em uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o ministro da Economia reclamou que o governo federal ampliou demais o acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), bancando universitário que "não sabia ler nem escrever". Cita como suposto exemplo o filho do porteiro de seu prédio, mesmo que os critérios de seleção demandem nota mínima. O problema maior, claro, não é esse, mas a forma com a qual usou o filho do porteiro como exemplo.
Depois dessa última declaração pegar mal, ele apresentou (mais) uma desculpa ruim, como sempre faz nesses casos, dizendo que ele próprio é fruto da ascensão social através da educação e da meritocracia.
Para a maioria de nós é chocante sua visão elitista, preconceituosa, violenta. Mas a parte da elite econômica que ele representa, que compreende da mesma maneira que ele a narrativa do lugar que ricos e pobres devem ocupar na sociedade, entende bem a mensagem: eles precisam se aliar contra aqueles que gastam o dinheiro de seus impostos na forma de serviços públicos e benefícios sociais.
Quem me apontou essa conexão, algum tempo atrás, foi meu colega de UOL, o psicanalista, professor e escritor Christian Dunker.
Guedes joga também com um público que não é da elite, mas que se identifica com ela (chegando a operar como guerreiros do capital alheio). Esse grupo foi levado a acreditar que o Estado está roubando quem "paga impostos" para entregar a "parasitas", sejam eles funcionários ou trabalhadores de classes menos favorecidas.
Escapa-lhes o fato de que todos pagam impostos - inclusive os pobres e a classe média paga proporcionalmente maios imposto do que os muito ricos no Brasil através do consumo ou da renda.
Também ignoram que os objetivos da República, previstos no artigo 3º da Constituição Federal, são a garantia dos direitos sociais junto com o desenvolvimento econômico. Pois o constituinte entendeu, de maneira correta, que uma coisa não funciona sem a outra, caso contrário não temos um país, nem um futuro comum.
Por essa lógica distorcida, seja na Disney ou nas universidades, há "parasitas" com "nosso dinheiro" em "nosso lugar". Um dos principais problemas do país seria, portanto, o fato de haver gente fora do lugar que lhe foi pré-determinado. Para resolver, seria preciso, como diria Sharon Acioly, garantir, custe o que custar, "ado-a-ado, cada um no seu quadrado".
Essa narrativa, segregacionista e excludente, apresenta uma simbiose com a do presidente da República, que expressa a mesma coisa no plano moral que Guedes manifesta no econômico.
Nesse sentido, tão ou mais violento que todas essas declarações é o fato de o ministro ter defendido um auxílio emergencial de apenas R$ 200 por família no início da pandemia em 2020. Graças ao Congresso Nacional, o valor acabou sendo de R$ 600/R$ 1200 por domicílio.
Soma-se a isso a interrupção do auxílio emergencial em 31 de dezembro do ano passado, o atraso de 96 dias para retomá-lo e o valor pífio dessa nova rodada, insuficiente para garantir a sobrevivência de uma família pobre e, portanto, incapaz de segurar alguém em casa para evitar o contágio por covid-19.
Guedes, enquanto empurrava a volta do benefício com a barriga, declarava que as contas do país não aguentariam. Isso, na prática, é a aplicação de sua reclamação desta terça (27), de que "todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130, [mas] não há capacidade de investimento para que o estado consiga acompanhar".
Não é à toa que Bolsonaro gosta do ministro da Economia e a metáfora do casamento entre eles é real. Bolsonaro fala que seu governo vai gerar emprego através de programas que trazem "Verde e Amarelo" no nome. Dai, Guedes propõe que proteções e garantias desses trabalhadores sejam limadas em troca desses empregos.
Guedes não limitou Bolsonaro, como imaginavam alguns analistas nas eleições de 2018. Pelo contrário, ele o fortalece. São um só animal político, com duas cabeças.