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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Suspeitas de corrupção são abafadas pelo estado de saúde de Bolsonaro

REUTERS
Imagem: REUTERS

Colunista do UOL

14/07/2021 20h31

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Jair Bolsonaro está doente? Sim, ninguém soluça sem parar por dias porque gosta. Espero, portanto, que se recupere. Mas, enquanto estava internado no Hospital das Forças Armadas, uma série de publicações em suas redes sociais mostraram que ele vai tentar aproveitar a situação para faturar politicamente. O que é extremamente conveniente em meio a uma tempestade de notícias ruins e a uma derrocada em sua popularidade.

Temos que separar as coisas: um fato é o quadro de Bolsonaro, que é mais sensível devido às cirurgias abdominais pelas quais passou. Outro é o oportunismo que se vale da pouca transparência que ele dá à sua saúde (escondendo resultados de testes de covid e idas ao hospital) para tentar virar o jogo político. Seria leviandade dizer que ele está exagerando para se livrar da má fase, mas, no mínimo, quer transformar o limão em limonada.

Jair mira, especialmente, o bolsonarismo-raiz - aqueles 15% da população que acreditam em absolutamente tudo o que ele diz. Esse grupo, que é capaz de atender a um pedido de seu líder para ajudar em um golpe de Estado em 2022, está sendo exposto, dia após dia, pela CPI da Covid e a imprensa, a evidências de que o "mito" fez corpo mole diante da corrupção. Isso sem contar as provas de que o "mito" embolsava salários de parentes usados como funcionários-fantasmas em seu gabinete enquanto deputado federal.

Expondo nas redes sociais a imagem de seu corpo seminu no leito hospitalar no momento em que recebia uma benção de um religioso, presidente ou alguém autorizado por ele apelou para a mesma estratégia de comunicação que adotou após o atentado que sofreu em setembro de 2018. A facada, apesar de terrível, foi diligentemente utilizada para a construção da imagem de "mito" - que ele, agora, tenta reconstruir.

Em suas mensagens nas redes sociais, Bolsonaro retomou o atentado, tentando envolver de forma leviana o PSOL e o PT, atiçando as velhas teorias conspiratórias da extrema direita. E sem cerimônia, colocou-se como um líder ungido por Deus ao afirmar que ele lhe deu a oportunidade de por o Brasil no caminho da prosperidade.

E apesar de ter sido cúmplice na morte de quase 540 mil brasileiros por covid-19 ao atrasar a compra de vacinas, boicotar o isolamento social, atacar o uso de máscaras, enganar a população com remédios inúteis e sabotar os esforços de prefeitos e governadores para combater a crise, Jair usou politicamente as vítimas. Afirmou, em sua sequência de mensagens, que "mesmo com todas as adversidades, inclusive uma pandemia que levou muito de nossos irmãos no Brasil e no mundo, continuamos seguindo por este caminho". Omitiu que foi sócio da pandemia na empreitada.

Falando especialmente ao público evangélico, que aprova seu governo bem mais do que a média da população, afirmou que são as "orações" que o motivam a seguir em frente e "enfrentar tudo que for preciso para tirar o país de vez das garras da corrupção, da inversão de valores, do crime organizado, e para garantir e proteger a liberdade do nosso povo". Aposto uma rachadinha de salário de ex-cunhado que o termo "corrupção" foi estrategicamente colocado em primeiro lugar nessa enumeração.

Como em uma carta-testamento brega, Bolsonaro pediu "a cada um que está lendo essa mensagem que jamais desista das nossas cores, dos nossos valores", num momento em que o verde e o amarelo voltam a ser usados pela oposição nos protestos de rua contra ele. E, apelando ao patriotismo dos militares, afirma que "temos riquezas e um povo maravilhoso que nenhum país no mundo tem". Encerra reafirmando a "honestidade", para apagar a prevaricação da qual está sendo acusado, e traz novamente o divino para a discussão, dizendo que ele poderá mudar a realidade "com Deus no coração".

Enquanto Bolsonaro estiver enfrentando a crise de saúde, podemos esperar muitas outras mensagens como essas. Tanto para fortalecer o vínculo com os 15% de base mais fiel, quanto para manter perto os 24% que consideram seu governo bom e ótimo e tentar gerar alguma empatia entre os outros 24% que acham seu governo regular. Já os 51% que avaliam sua gestão como ruim e péssima não são alvo dessas mensagens. Eles estão ocupados, tentando sobreviver ou compartilhando memes que criticam exatamente esse uso político.

Bolsonaro está doente e se vende como mártir, apesar de ser apenas um pequeno político desesperado. Mártires são as centenas de milhares de brasileiros que morreram de covid-19 como vítimas da sabotagem de seu governo.

Uma evidência de que essa estratégia já está em prática é a quantidade de postagens, de seguidores reais e robôs nas redes sociais, atacando quem critica o fato de ele estar usando o seu quadro clínico para tirar vantagem política. Ou seja, quem questiona a "narrativa" presidencial leva pedrada.

No meu texto anterior, já desejei saúde ao presidente - mesmo que ele não tenha feito o mesmo aos brasileiros na pandemia de covid-19. Espero que ele viva muitos anos para poder responder pelos crimes do qual é acusado. Tanto os de corrupção na Justiça brasileira quanto aqueles contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.