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Sem o centrão, Bolsonaro prova ser só gerente de loja de blindados velhos
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O voto impresso de Jair Bolsonaro foi enterrado na Câmara do Deputados na noite desta terça (10). Teve de tudo para aprovar a medida: micareta de blindados, humilhação pública dos comandantes das Forças Armadas, pastores e reverendos prometendo o inferno a deputados, policiais militares fazendo ameaças em aplicativos de mensagens, promessas de mais emendas parlamentares.
No fim, não deu. O enredo já estava escrito desde que o ministro da Defesa, general Braga Netto, fez ameaças ao Congresso Nacional em nome da aprovação do voto impresso em julho. A pauta, que já encontrava resistência e quase havia sido engavetada antes do recesso parlamentar, foi ferida de morte pelo recado golpista do militar. Nesta terça, a Câmara deu o tiro de misericórdia.
Aprovar a proposta de mudança à Constituição não era visto apenas como inútil por uma parcela significativa dos parlamentares que foram eleitos pela urna eletrônica e sabem que o presidente abraçou esse tema para tentar tumultuar a eleição do ano que vem.
Mas se o centrão desse aval à PEC após a interferência de Braga Netto ficaria de joelhos aos militares - com quem vivem uma disputa por espaço dentro do governo federal. Vale lembrar que, recentemente, a ida do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a função de primeiro-ministro de Bolsonaro desalojou o general Luiz Eduardo Ramos para a zeladoria do Palácio do Planalto.
Aliados do presidente, os dois principais partidos do centrão, PP e PL, negaram a ele 54 votos para a PEC - 36 deles na forma de "não vai rolar, meu amigo" e outros 18 "opa, não pude ir votar, foi mal".
O PL deu mais votos contra (23), com sete faltas, do que a favor (11). Para entender o que isso significa, o PSDB deu mais votos a favor (14) do que contrários (12), com cinco faltas e o deputado Aécio Neves se abstendo.
No final, isso serve como mais um lembrete de que Jair Bolsonaro, sem o centrão, é apenas o gerente de uma loja de blindados e tanques com problemas graves no carburador. E que diante dos 132 pedidos de impeachment que estão na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é melhor ele se lembrar que não é sócio do centrão, mas um funcionário de luxo.
Enquanto a sociedade estava entretida com o pacote de ameaças de golpe de Estado nas eleições de 2022 caso o voto impresso não fosse aprovado, a mesma Câmara dos Deputados que foi incensada como bastião dos direitos fundamentais na noite desta terça, tem sido responsável por um toque de boiada ambiental, trabalhista e eleitoral que deixaria qualquer gado arrepiado.
A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 3, por 296 votos a 136, o projeto de lei que facilita a anistia de quem roubou patrimônio público. Sob a justificativa de ajudar na regularização fundiária de terras da União, o PL 2633/2020 dispensa a vistoria de parte dos imóveis (bastando uma autodeclaração) e permite a regularização de áreas desmatadas ilegalmente, um convite ao crime. Será analisado ainda pelo Senado Federal.
A comissão especial da Câmara dos Deputados criada para analisar propostas de reforma eleitoral aprovou, na noite de segunda, tanto a volta das coligações partidárias para eleições proporcionais quanto a introdução do 'distritão'. Agora, o plenário deve escolher um dos dois ou nenhum deles, ficando entre a cruz e a espada em nome da sobrevivência de uma parte dos deputados.
E na noite deste terça, a Medida Provisória 1045 criada para ajudar empresas durante a pandemia e que ganhou emendas que cortam proteções trabalhistas, reduzem a renda dos trabalhadores, criam categorias de empregados de "segunda classe", cortam pagamentos a jovens e até atrapalham a fiscalização de escravidão contemporânea foi aprovada por 304 votos a 133.
A fumaça dos escapamentos dos blindados da micareta militar presidencial e as promessas golpistas do presidente ajudaram a reduzir as críticas da sociedade ao parlamento por conta disso e muito mais. De certa forma, Jair cumpre sua função do marido fanfarrão que entretém os convidados cuspindo na democracia, enquanto a esposa cuida dos negócios enquanto ninguém está vendo. O casamento perfeito. De todo modo, a votação desta terça mostrou que os 342 votos para alcançar o impeachment estão distantes da realidade. Pelo menos, no curto prazo.