Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ataques a Marina e Barroso lembram que Bolsonaro fugiu, mas deixou milícias

Colunista do UOL

03/01/2023 11h54

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso foram vítimas de assédio em locais públicos por bolsonaristas nesta segunda (2). Isso é um lembrete de que Jair Bolsonaro fugiu, mas deixou um legado de fascismo organizado em milícias políticas que terá que ser enfrentado com rigor.

Marina foi xingada e acusada de trabalhar para um ladrão enquanto se servia na hora do almoço, em Brasília. O que a bolsonarista não contava é que outros clientes saíram em defesa da ministra - a agressora acabou deixando o restaurante. O que já é sinal dos novos tempos, uma vez que, nos últimos anos, o mais comum foi o agredido ser obrigado a ir embora.

Enquanto isso, Barroso foi xingado por um grupo de bolsonaristas enquanto estava em um guichê do Aeroporto de Miami, nos Estados Unidos. No vídeo é possível ouvir pessoas exigindo que ele não embarcasse. O ministro ignorou os gritos.

Após o episódio, o ministro da Justiça Flávio Dino escreveu no Twitter que a Polícia Federal está à disposição do STF para investigar o episódio por extremistas antidemocráticos que perseguem magistrados em espaços públicos.

Bolsonaro não criou o fascismo brasileiro, apenas ajudou a organizá-lo e mostrou a ele como usar ferramentas de intimidação on-line e off-line de forma a dar a impressão de que o movimento tem olhos e punhos em todos os lugares, sendo muito maior do que realmente é.

Cenas como essas se tornaram recorrentes na República Miliciana do Brasil - onde pessoas acertavam suas divergências na base do justiçamento e do linchamento, após decidirem quem tem direitos e quem tem só deveres.

Nela, grupos de milícias políticas atuavam para silenciar e punir, nas redes e fora delas, aqueles que fiscalizavam seu líder e denunciavam as irregularidades que ele comete.

Agora, essa República encerrou seu ciclo de poder, mas segue com uma base social e cultural sólida. Esses grupos querem que o Estado seja tolerante com sua intolerância - que eles, cinicamente, chamam de liberdade de expressão. O problema é que tolerância à intolerância leva ao fim dos tolerantes e ao reinado da opressão.

Em sua cerimônia de posse, também nesta segunda, Flávio Dino afirmou que "apenas os fascistas querem exterminar quem pensa diferente" e que "os democratas sabem que as diferenças não são apenas toleráveis, mas imprescindíveis, porque só assim a sociedade se engrandece".

E prometeu que não haverá anistia, mas sim um pente-fino nos inquéritos sobre os atos bolsonaristas contra o resultado das eleições. Vale lembrar que bolsonaristas trancaram estradas insatisfeitos com o resultado das eleições sob a omissão de Bolsonaro e da direção da Polícia Rodoviária Federal.

"Ponderação não significa fechar os olhos em relação ao que aconteceu. Ponderação significa firmeza, defesa da lei. Significa fazer com que cada um responda de acordo com suas ações e omissões", afirmou Dino. "Democracia não tem apenas o direito, mas tem o dever de se defender contra aqueles que querem destruí-la - e que não desapareceram."

Só uma Justiça bem aplicada será capaz de reduzir os episódios de justificiamento dos milicianos bolsonaristas. Que o novo ciclo de poder não caia no mesmo erro do fim da ditadura, em que evitamos punições em nome de uma paz que se mostrou frágil exatamente por falta de punições.