Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vitimismo alimenta fiéis que aguardam a volta triunfal do (Jair) Messias
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Bolsonaro gosta de encenar dois papeis: o de machão que bate e arrebenta, que fala que "a morte é o destino de todos" e diz a pessoas em luto pela covid-19 para deixarem de "frescura e mimimi", e o sujeito frágil que se vitimiza e chora diante das câmeras, sempre com pena de si mesmo. Conecta-se, dessa forma, com uma parcela do seu público fiel, que quer seguir, mas também proteger seu "mito".
Às vésperas do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que deve decretar sua inelegibilidade devido à micareta que montou no Palácio do Alvorada para atacar o sistema de votação brasileiro a embaixadores estrangeiros, Jair já ensaia em frente ao espelho as expressões de injustiçado indignado com as quais vai manter seu rebanho mobilizado nos próximos anos.
Mas se é pequena a chance de absolvição no TSE, é menor ainda a possibilidade de recursos reverterem a decisão na própria corte. Ou o Supremo Tribunal Federal (aquele que seus seguidores destruíram no dia 8 de janeiro) torná-lo apto a concorrer novamente em 2026 ou 2030. Até porque ele produziu uma quantidade absurda de provas contra si mesmo, descritas nas 16 ações que pedem sua inelegibilidade.
A vergonhosa micareta com os embaixadores estrangeiros chegou a ser transmitida usando a estrutura pública da TV Brasil, fazendo com que as provas do crime chegassem ao lar de qualquer brasileiro.
Jair Bolsonaro passou anos atacando o sistema eleitoral, difundindo que as urnas eletrônicas eram corrompidas e manipuladas em nome de Lula, usando técnicos das Forças Armadas para tentar colocar em dúvida a lisura da corte, transformando os chefes do TSE (Luís Roberto Barroso e, depois, Alexandre de Moraes) em alvos móveis, armando seus seguidores através de decretos para depois conclamá-los a fazer o que fosse necessário para defendê-lo.
O seu vitimismo, mais do que uma pressão à Justiça, é uma forma de garantir a manutenção de sua influência vendendo a seus seguidores a perspectiva de manutenção de poder. Plagiará algumas frases messiânicas usadas pelo cristianismo, como "Ele voltará!"
Se o TSE e o STF foram a representação do demônio para os bolsonaristas até aqui, por que não continuar não é mesmo? E o que pode ser mais motivador para um bolsonarista radical que o entendimento que seu líder foi sacaneado por diabo Xandão? Afinal, a realidade nunca importou para esse pessoal, não seria diferente agora.
Se ficar apenas inelegível, Bolsonaro ficará no lucro. Ele deve passar os próximos anos lutando para não ser condenado e preso por um rosário de crimes que cometeu antes, durante e depois de sua passagem pela Presidência da República. Uma novidade a quem agiu protegido pelo foro privilegiado por mais de três décadas.
Há quem uma prisão não deveria acontecer para não aumentar seu vitimismo e gerar uma onda de violência entre seus seguidores. Mas desde quando a polícia deixa de prender bandido por que seus associados vão estourar uma reação?
Jair Bolsonaro foi extremamente modesto ao afirmar, em entrevista ao Wall Street Journal, em fevereiro, que "uma ordem de prisão pode vir do nada", quando ele voltasse ao Brasil do seu autoexílio nas cercanias da Disney. Afinal, fez por merecer uma cana longa.
As investigações em curso sendo tocadas pela Policia Federal apontam que é ele quem está no centro de uma série de ações voltadas a derrubar o Estado democrático de direito. Esse pacote envolveu o fomento aos acampamentos golpistas de onde brotaram as ações terroristas de 12 de dezembro (quando ônibus e carros foram queimados em Brasília), de 24 de dezembro (com a bomba plantada em um caminhão de combustível para explodir o aeroporto da capital federal) e de 8 de janeiro (com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes).
Isso sem contar as centenas de indígenas yanomamis mortos e os quase 700 mil óbitos por covid-19 por ação de seu governo. E os pastores que cobraram propina em ouro no Ministério da Educação, a corrupção que grassava na compra de vacinas no Ministério da Saúde, a tentativa de adquirir votos de miseráveis usando o Auxílio Brasil e o crédito consignado.
Não é à toa que Jair Bolsonaro voou para os Estados Unidos dias antes de terminar o mandato e por lá ficou, tentando vender que o golpismo não pode ser operado de longe. "Eu nem estava lá, e eles querem me culpar!", disse ele ao jornal norte-americano, usando um álibi tão eficaz quanto a cloroquina para a covid-19.
Uma ordem de prisão não virá do nada, pelo contrário, se vier será uma ação tardia, um ajuste de contas com os que morreram por causa dele e não estão mais aqui para exigir Justiça.
Se fosse condenado à prisão como Lula, que papel ele desempenharia? O do machão, que finge não se importar com o que acontecerá consigo mesmo? Da vítima, com autopiedade na cela? Ou do fujão, rumo a algum país com o qual o Brasil não tem acordo de extradição?