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Moraes e PF investem no caminho mais curto para prender Jair Bolsonaro
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Forjar um cartão de vacina para poder fugir do Brasil é um crime grave, mas menos grave do que fomentar um golpe de Estado, permitir 700 mil óbitos na pandemia e criar as condições para a morte de 570 crianças da etnia yanomami. Com a operação da Polícia Federal desta quarta (3), sobre a adulteração dos registros públicos de saúde, o sistema de Justiça vai novamente pelo caminho mais curto para que o ex-presidente preste contas à sociedade.
Tal como o gangster Al Capone que, em outubro de 1931, foi condenado a 11 anos de prisão não pela violência que praticou como o rei da máfia de Chicago, mas por sonegação de impostos, Bolsonaro está sendo investigado por algo "menor": o registro falso de vacinação para covid-19. Ele usou o cartão para entrar nos Estados Unidos, quando saiu do Brasil, em 30 de dezembro, a fim de não ser responsabilizado pelos atos golpistas que aconteceriam nove dias depois.
O novo escândalo foi revelado nesta quarta (3), com operações da PF que fizeram busca e apreensão em sua casa e prenderam várias pessoas, inclusive seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid. O coronel, inclusive, também está envolvido em outros escândalos de Jair, como o das joias árabes surrupiadas pelo ex-presidente e as lives negacionistas durante a pandemia.
A estratégia de tomar o atalho já foi adotada antes. Das 16 ações em curso no Tribunal Superior Eleitoral para torná-lo inelegível nas eleições presidenciais de 2026 e 2030, a que está mais avançada é a que trata do evento em que convocou embaixadores estrangeiros para atacar o sistema de votação. O TSE vê como um ato de campanha usando a estrutura do governo. Outras ações tratam de situações ainda mais graves, com ataques e ameaças ao Estado democrático de Direito, mas essa é mais escrachada.
Em outro caso, Bolsonaro foi incluído como investigado no inquérito que apura os mentores intelectuais do 8 de janeiro. Não por ter fomentado por meses a ação que vandalizou as sedes dos Três Poderes - até porque ele e os que cuidam de suas redes foram muito cuidadosos nos momentos que precederam o ataque. Mas por compartilhar nas redes sociais um vídeo golpista dois dias depois.
Por algum motivo, talvez psicanalítico, Bolsonaro produziu farto conjunto de provas contra si em casos considerados mais simples, enquanto tratou de evitar pontas soltas em situações de maior complexidade. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e a Polícia Federal não deixaram esse padrão passar despercebido.
O caso do cartão de vacina forjado garantiu o acesso ao celular do ex-presidente. Com a ajuda dos técnicos da instituição, pode-se ter acesso a importantes conversas pretéritas. O que ajudará a esclarecer este e outros casos em que ele é investigado. Não à toa, as diligências ocorrem em meio ao inquérito das milícias digitais, que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes.
Ironicamente, partidos políticos pediram a apreensão do celular de Bolsonaro, em maio de 2020, em meio à investigação sobre sua interferência na Polícia Federal para proteger seus familiares, aliados e amigos - denúncia do demissionário ministro Sergio Moro. Naquele momento, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, ameaçou "consequências imprevisíveis" se o STF tocasse no smartphone do Jair. Ele tinha razão: as consequências são realmente imprevisíveis. Para o ex-presidente.
Com a ação dos embaixadores, os depoimentos a respeito do vídeo compartilhado e o cartão de vacina forjado, Alexandre de Moraes vai fazendo aproximações sucessivas - para usar um termo militar que o capitão Jair Messias gosta muito - sobre ele.
Pode não responder pelos crimes principais que cometeu, mas o aviso vem sendo dado de que impune ele não deve ficar.
Em tempo: Bolsonaro, em entrevista nesta manhã, disse que não houve adulteração da parte dele no cartão de vacinação. Como sempre, exerce seu esporte preferido, o Arremesso de Responsabilidade à Distância. A mentira não cola, até porque ele decretou sigilo de 100 anos sobre o seu registro de vacina. A dúvida é quem, desta vez, ele vai jogar no mar para se safar. Mauro Cid, que pagava as contas do ex-presidente na boca do caixa com dinheiro vivo, que se cuide.