Entregar prédio de luxo ao povão seria didático a empreiteiras e ao Itaim
Uma empreiteira achou que era de boas construir um enorme edifício de luxo na rua Leopoldo Couto de Magalhães, uma das mais caras do refinado bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, sem ter licença para tanto. São 20 apartamentos, um por andar, mais duplex, com unidades entre 382 m² e 739 m².
O Ministério Público entrou como uma ação civil pública em que pede a demolição da construção e um pagamento de indenização de quase meio bilhão de reais à construtora São José.
Se o prédio não atrapalha o tráfego aéreo para o aeroporto de Congonhas, demoli-lo seria um desapreço com o trabalho dos operários que suaram para erguer a torre. A Justiça, portanto, tem uma boa chance de acertar duas maçãs com uma só flecha se desapropriar o imóvel e adaptá-lo a moradias populares (382 m² dá seis apartamentos de quase 64 m² cada), como propôs a Bancada Feminista do PSOL na Câmara.
Uma punição real teria efeito didático para todo o setor, estimulando empresas a seguirem a lei, mais do que impor uma multa do tipo puxão de orelha.
Ainda mais em uma cidade em que favelas em locais de interesse entram em combustão de forma "espontânea" e ratos e baratas ocupam confortavelmente edifícios vazios por décadas, tudo ao sabor da especulação imobiliária.
Mas não só isso: levar mais de 130 famílias com renda familiar mensal de até dois salários mínimos (a faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida) para um dos metros quadrados mais caros de São Paulo pode democratizar um tiquinho os nobres ares onde uma parte do mercado financeiro resolveu fazer seu ninho. O bairro é cortado pelo prolongamento da avenida Brigadeiro Faria Lima.
O Itaim Bibi nunca foi de habitações populares, mas está passando por um processo rápido de ocupação da classe alta. Garantindo algumas travas para impedir a venda ou aluguel das moradias populares enquanto os novos proprietários estiverem pagando as mensalidades com custo subsidiado e, claro, com desconto social no IPTU, há boa possibilidade de dar certo.
E os moradores terão acesso a transporte, permitindo deslocamento rápido ao trabalho, escolas públicas de qualidade, postos de saúde com estrutura, acesso a equipamentos culturais, entre outros serviços públicos mais presentes no centro expandido do que na periferia.
Alguns vizinhos poderão não gostar - já vimos como parte de São Paulo trata o que chama de "gente diferenciada". O que reforça o didatismo da iniciativa. Em outras cidades do mundo, como Nova York, há conjuntos para a classe trabalhadora construídos em bairros ricos, ajudando a mudar a paisagem para algo mais democrático. Já que gostamos de imitar os países que são centros do capitalismo, o ideal seria copiar também as medidas de combate à desigualdade.
Em tempo: o problema não é alguém ter um apartamento de 400 metros quadrados enquanto outro mora em um de 40. O que desconcerta é uma sociedade que acha normal um ter condições para desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto a sociedade vê com olhos punitivistas um barraco minúsculo queimar até o chão na Favela do Moinho, em Paraisópolis, na Cidade Líder, no Largo do Paissandú, onde for.
Não apenas acha normal como bate palma e pensa que a vida é justa porque, nessa vida, o Estado não tem que ajudar quem começou perdendo na corrida da vida. Para esses, é cada um por si e Deus acima de todos.