Leonardo Sakamoto

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Opinião

Sob Rosa, STF derruba defesa da honra, anula cela especial e discute droga

Sob Rosa Weber, o Supremo Tribunal Federal resolveu remover entulho inconstitucional. Em março, acabou com a cela especial para diplomados. Ontem, derrubou a tese da legítima defesa da honra usada por homenzinhos covardes para matar mulheres. Hoje, debate diferenciar usuário de traficante de drogas.

O STF decidiu, nesta terça (1º), acabar com a excrescência da tese da legítima defesa da honra usada para livrar quem mata mulheres sob a justificativa de proteger sua "honra". Um contrassenso, uma vez que alguém que comete feminicídio não sabe o que honra significa.

A decisão do STF foi unânime, tal como outra, de 31 de março deste ano, quando os 11 ministros declararam inconstitucional a prisão especial provisória - a conhecida "cela especial" - para quem tem diploma de curso superior. Até então, se duas pessoas cometiam o mesmo crime, mas uma delas estudou mais, esta podia ficar em uma cela separada até a condenação ou absolvição em definitivo. Uma mamata bisonha.

São duas decisões que ajudam a limpar um pouco o lixo inconstitucional que ainda grassa por aqui, garantindo privilégios - neste caso o de homens que se sentem donos de suas esposas e filhas e de pessoas que tiveram o privilégio de poder concluir os estudos ao invés de serem obrigadas a trabalhar.

Com isso, o artigo 5° da Constituição Federal, que diz que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza'', torna-se um pouco menos peça de ficção.

Claro que a violência contra mulheres por agressores que elas conhecem não vai sumir com a decisão. Mais de 68% dos casos de estupros em 2022 foram cometidos na própria residência das vítimas, como apontou o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Ao mesmo tempo, o fim da cela especial não democratizou o sistema de Justiça. Pobres continuarão amargando anos de prisão provisória e negros inocentes serão detidos porque foram confundidos pela sua cor de pele. Mas já é um alento.

Tal como o retorno do julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal nesta quarta (2). O julgamento, parado há oito anos, está a 3 a 0 para que o porte não ser considerado crime e não significa legalizar o porte. O processo trata de um caso de um homem flagrado condenado por três míseros gramas de maconha.

O ideal seria rediscutir toda a política antidrogas, que na ponta tem criado uma guerra em que os mortos são, em sua grande maioria, negros e pobres em comunidades. Mas evitar usuários de drogas na cadeia, que se tornou uma universidade do crime, reduz a quantidade de ingressantes no crime organizado. E diminui a pressão no sistema prisional.

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Como informou Carolina Brígido, no UOL, a presidente da corte, Rosa Weber, quer pautar temas que o STF vinha evitando nos últimos anos, até a sua aposentadoria compulsória, que acontece no início de outubro.

Além da questão do porte de drogas, também quer discutir a constitucionalidade do marco temporal (a tese estapafúrdia de que indígenas podem reivindicar somente as terras em que estavam até 1988, desconsiderando que muitos haviam sido expulsos de suas comunidades), a questão da violação de direitos humanos em prisões e a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. No Brasil, ele já é legal em caso de estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia do feto.

A legítima defesa da honra em casos de feminicídio e a cela especial eram temas mais fáceis de serem julgados. O mesmo não pode ser dito sobre a descriminalização do porte, o marco temporal e, principalmente, o aborto, não apenas pela força de grupos de pressão, mas também por parte do Congresso - que defende que esses temas são de sua alçada.

Portanto, a chance de pedidos de vista serem apresentados não paga nada em casas de apostas.

Por conta do perfil mais conservador do Congresso Nacional, que chama de "ideológicas" pautas que tratam de direitos fundamentais, a impressão é que os únicos assuntos permitidos são os econômicos. Nesse contexto, celebra-se, com razão, a Reforma Tributária e o marco fiscal.

Muitos de nossos liberais adoram defender liberdade na economia, mas sujeitar os direitos civis aos interesses de grupos econômicos e religiosos. Por isso, não podemos esquecer que o Brasil tem uma dívida a saldar com o seu futuro.

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Rosa Weber ajuda a arejar o debate público a respeito de entulhos que impedem que o Brasil siga o caminho de nações mais desenvolvidas. O país corre risco de se tornar um tiquinho mais civilizado com ela à frente do STF.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL