Calor levará Brasil a cuidar do clima ou só a desejar um ar-condicionado?
A histórica onda de calor pela qual estamos passando vai mobilizar a sociedade por ações a fim de preparar o Brasil para as mudanças climáticas ou esbarrará no individualismo e no conformismo, que aposta que a resposta mais lógica é comprar um ar-condicionado mais potente?
Estamos vivendo cenários catastróficos em que desgraças climáticas farão parte do cotidiano. A onda de calor em boa parte do país é uma delas, o ciclone que atingiu uma São Paulo maltratada pela Enel e pelo poder público é outra.
Mas também estão na lista as nuvens de fuligem provenientes de queimadas que anoiteceram os céus de capitais, as tempestades de areia que varreram cidades do interior, as secas históricas na Amazônia e as cheias não menos históricas no Sul, os deslizamentos de terra que matam mais a cada ano.
Para tentar confundir a população, campanhas de negacionistas querem fazer crer que dias de frio intenso são a prova de que o aquecimento global não existe. Sim, argumento raso como um pires, mas há sempre um chinelo velho para um pé cansado.
A alta na média da temperatura do planeta aumenta a frequência de eventos extremos, sejam eles relacionados a clima quente ou frio. Mas situações como a que vivemos hoje, no qual parece que o termostato do planeta foi ajustado para a posição "Gratinar os Irresponsáveis", são mais didáticas por irem no sentido do senso comum.
O problema é, diante de uma situação desafiadora que demanda um esforço coletivo para reduzir o impacto da mudança do clima, que já chegou, muitos preferem fazer piada com a ativista sueca Greta Thunberg, chamar ambientalista de "abraçadores de árvores" e normalizar a situação.
Após a fumaça tóxica dos incêndios florestais no Canadá deixarem o céu de Nova York em um tom de laranja apocalíptico e reduzirem a qualidade do ar às piores leituras em décadas, neste ano, jovens divertiram-se usando um fone de ouvido com um purificador de ar acoplado que custava 949 dólares.
Outros fizeram tutoriais nas redes sociais de como usar o filtro correto para compensar o laranja em fotos no Instagram. Uma sociedade que pensa no coletivo teria é ocupado as ruas até que políticos apresentassem propostas efetivas de curto prazo para uma sociedade de baixo carbono - o que inclui a mudança na matriz de empregos oferecidos.
Também há aqueles que, diante da percepção de que uma mudança individual não altera o curso do clima, o que dependeria de uma guinada no comportamento de boa parte da população (principalmente dos países desenvolvidos e em desenvolvimento), abraçam o "não adianta fazer nada". Políticas puxadas pelos Estados nacionais, a fim de organizar e alinhar os esforços da sociedade, pode reverter o conformismo imobilizante.
Claro que comprar um ventilador ou um ar-condicionado no meio desta onda de calor é importante para proteger a própria saúde, principalmente se você é hipertenso ou cardíaco. A questão é se as ações que tomaremos, como indivíduos e como sociedade, vão se reduzir a uma compra on-line ou iremos além.
O que inclui rediscutir a alta demanda por madeira amazônica (que não vira apenas mesa em casa de europeu, mas abastece a construção civil brasileira, por exemplo), por carne bovina (que tem sido um dos maiores vetores de desmatamento) e a grilagem de terras (abençoada por membros do Congresso Nacional), mas também a construção de barragens de hidrelétricas na Amazônia e os grandes projetos de mineração e de exploração de petróleo.
Isso sem contar o mais básico do básico: rever nossos hábitos de consumo, incluindo cortar as emissões de carbono da nossa vida nas grandes cidades.
Vamos aprender com esse calorão ou ajoelhar perante o ar-condicionado, acreditando que, à beira do abismo, ele vai nos salvar?