Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Bomba bolsonarista que poderia ter disparado golpe militar completa um ano

Uma das cenas mais insólitas do processo de questionamento da eleição presidencial de 2022, a tentativa de um ato terrorista com a colocação de uma bomba em um caminhão de combustível para explodir o Aeroporto Internacional de Brasília, completa um ano neste domingo (24), véspera de Natal.

Investigação da Polícia Civil apontou que o plano foi elaborado no acampamento golpista montado em frente ao Quartel-General do Exército na capital federal no dia 23 de dezembro. Inicialmente, o objetivo era explodir a bomba de forma a causar um apagão, mas, na última hora, ela foi colocada em um caminhão com querosene de aviação com capacidade para 60 mil litros.

A ideia era criar uma situação de caos para permitir intervenção militar e decretação de estado de sítio (ver abaixo).

Centenas poderiam ter morrido caso tudo desse certo. Por sorte, o motorista do caminhão percebeu um pacote e chamou a polícia e, por mais sorte ainda, os terroristas eram incompetentes e negaram ajuda de especialistas.

George Washington de Oliveira Sousa, que veio do Pará para protestar contra a eleição de Lula e a favor de Jair Bolsonaro, foi preso, em dezembro, confessando. Ele montou a bomba.

Com o homônimo do primeiro presidente dos Estados Unidos foi encontrado, em um apartamento alugado em Brasília, um arsenal capaz de começar uma pequena guerra, com fuzis, espingardas, revólveres, munição e explosivos. Ele tinha registro de CAC (caçador, atirador, colecionador), grupo beneficiado por Bolsonaro em seu mandato com a facilitação de acesso a armas.

Alan Diego dos Santos Rodrigues também confessou, em janeiro, que recebeu a bomba para colocá-la no alvo.

O acórdão da condenação de ambos, em segunda instância, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios foi publicado em 3 de outubro. George Washington foi sentenciado a 9 anos e oito meses mais multa e Alan Diego a cinco anos e multa.

O terceiro membro dessa conspiração, o blogueiro Wellington Macedo de Souza, que estava foragido da Justiça brasileira no Paraguai e foi preso em 14 de setembro. Ele já cumpria prisão domiciliar por incentivar atos antidemocráticos em 7 de setembro de 2021, mas frequentava o acampamento golpista em frente ao Quartel-General, quando fugiu.

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Wellington foi condenado a seis anos de prisão e multa também por receber a bomba de Alan e plantá-la no caminhão. Ele chegou a trabalhar como assessor da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, durante o governo Bolsonaro, entre fevereiro e outubro de 2019.

Atentado terrorista dispararia golpe

Uma minuta de golpe de Estado encontrada no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, previa a decretação de um estado de sítio no país por Jair Bolsonaro, bem como uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, dando plenos poderes às Forças Armadas.

A minuta estava em mensagens trocadas entre Cid e o sargento Luís Marcos dos Reis - ambos presos na operação que investigava a fraude nos registros de vacinação do ex-presidente.

Esse documento abriria alas para outra minuta golpista, essa encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que também daria poderes às Forças Armadas para intervirem no Tribunal Superior Eleitoral e melarem a eleição.

Para embasar a necessidade de que os militares interviessem na democracia, arrancassem ministros do STF e do TSE de suas togas e mantivessem Jair no comando, o documento encontrado com o faz-tudo do ex-presidente parte de uma série de premissas mentirosas que imputavam fraudes nas eleições e conluio entre tribunais, sociedade, partidos e imprensa.

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O roteiro do golpe poderia ter sido colocado em prática ainda com Jair no poder, bastaria para tanto que houvesse um fator disparador. Como uma bomba em um caminhão de combustível explodindo o aeroporto de Brasília e causando centenas de mortes.

Bomba deu chabu porque bolsonarista teria sido pão-duro

Alan Diego dos Santos afirmou à Polícia Civil do Distrito Federal que um grupo extremista de militares da reserva se ofereceu para fabricar e instalar o explosivo. Mas, segundo ele, como os tais "Boinas Vermelhas" queriam cobrar pelo serviço, resolveram produzi-lo e coloca-lo por conta própria.

A bomba plantada no caminhão-tanque deu chabu. Ou seja, confirmada a história, se ele tivesse pagado o que os mercenários queriam, ou confiado que eles fariam o trabalho ou aberto mão desse triste protagonismo, talvez o estopim tão desejado para um Estado de Sítio com Jair Bolsonaro no poder teria ocorrido, permitindo um golpe.

Um relatório da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), de 27 de dezembro, ou seja, três dias após o atentado que flopou, alertou para a presença do grupo extremista de militares da reserva no acampamento golpista em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.

Eles teriam se apresentado como membros da reserva das Brigadas de Infantaria Paraquedista do Exército. Os dados foram enviados à CPMI dos Atos Golpistas.

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O Exército impediu a entrada da PM para prender golpistas no acampamento montado em frente ao seu QG na noite dos ataques de 8 de janeiro. Isso deu tempo a muitos golpistas fugirem. Sob a justificativa de que haveria uma "noite de sangue" se a PM entrasse para prendê-los no acampamento, Lula aceitou a proposta do então comandante militar do Planalto, general Dutra de Menezes, para que isso ocorresse apenas na manhã do dia seguinte.

O então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, também teria avisado ao ministro da Justiça Flávio Dino que ninguém seria preso naquela noite. Treze dias depois, Lula escolheu o legalista Tomás Ribeiro Paiva para substituir Arruda.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.