Leonardo Sakamoto

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Opinião

Para 84% dos brasileiros, mulher que aborta não deve ser presa

Apesar de 72% serem contra a ampliação da legalização do aborto, 84% também são contra a prisão de mulheres que interrompem sua gravidez, aponta pesquisa Genial/Quaest. Outros 15% defendem que sim, que ela deve ir para o xilindró.

O resultado confirma o que havia sido sugerido por um levantamento do Ibope (hoje Ipec), encomendado pela organização Católicas pelo Direitos de Decidir, em 2017, que perguntou o grau de discordância a respeito da necessidade de prisão de uma mulher que precisou recorrer ao aborto. Naquele momento, discordavam total ou parcialmente da prisão 64% dos entrevistados.

Há também pesquisas que apontaram o contrário. Também em 2017, só para citar um exemplo, o Datafolha apontou que 57% acreditavam que uma mulher deveria ser punida e ir para a cadeia por fazer um aborto.

Na avaliação de organizações feministas, a resposta pode variar de acordo com a forma como a pergunta é formulada ou o contexto em que ela é apresentada.

Por exemplo: "Você defenderia que sua filha/irmã/mãe seja mandada para a cadeia por até três anos por realizar um aborto em si mesma em uma situação de desespero até a 12ª semana de gestação?" Exagerada a pergunta? Para quem passou por um gravidez indesejada, não. Desconfio que apenas uma parcela muito pequena dos pais ou responsáveis responderiam sinceramente com um "sim".

Pois, com exceção de fundamentalistas religiosos, como aqueles que perseguiram uma menina de dez anos de idade, grávida após ser estuprada sistematicamente pelo próprio tio desde o seis, para evitar que ela interrompesse a gravidez, apesar da legislação garantir esse direito a ela por duas razões (estupro e risco de vida), a maioria dos brasileiros é capaz de sentir empatia pelo drama humano.

(Quem retrucou mentalmente com o drama do embrião, pode parar de ler este texto porque o debate sobre saúde pública e sobre direitos das mulheres não é para você.)

Antes de se aposentar no Supremo Tribunal Federal, a ministra Rosa Weber pautou e votou, em 22 de setembro, a favor de uma ação que pode levar à descriminalização do aborto em qualquer situação até a 12ª semana de gestação. O caso teve a análise suspensa, logo depois, por conta de um pedido de vistas.

Para Weber, a democracia deve expressar a vontade da maioria, desde que garantida a dignidade das minorias políticas. O que não estaria acontecendo, pois ao criminalizar o aborto, o Código Penal desrespeita princípios da Constituição.

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O direito ao aborto seguro é reconhecido no Brasil em casos de risco de vida para a gestante e estupro, já citados, e anencefalia. Em tese, claro, porque há médicos e juízes que ignoram essas garantias, impondo sofrimento. Como o caso da menina de dez anos do Espírito Santo - que, por fim, realizou o aborto.

Em dezembro de 2020, a Argentina aprovou o direito das mulheres de optarem por um aborto até a 14ª semana de gestação, independentemente do motivo, através da Câmara e do Senado. Na Colômbia, o caminho foi a Corte Constitucional, equivalente ao STF, que decidiu, em fevereiro de 2022, que ninguém irá para a cadeia se realizar um aborto até a 24ª semana de gestação.

Pesquisas usadas por organizações que defendem o aborto seguro apontam que a maioria das interrupções acontece até a 12ª semana nos locais onde é descriminalizado. Sim, o aborto é mais tardio em locais onde é proibido ou parcialmente liberado, como no Brasil, exatamente pelo medo e pela falta de condições, colocando em risco a vida das mulheres.

Para os defensores da ampliação do direito ao aborto, isso evitaria milhares de mortes por procedimentos clandestinos ou realizados de forma precária. A Colômbia, a Argentina, o México, o Uruguai, entre tantos outros países, perceberam isso. O Brasil ainda não. Ou percebeu e não se importa.

Enquanto a questão não é resolvida no Brasil, o aborto segue "livre" para quem conta com recursos financeiros para ter acesso a clínicas seguras, ou seja, a classe alta e a média alta, enquanto a maioria da população acaba sofrendo as consequências da clandestinidade. Parte dela exalando a hipocrisia de ser contra o aborto dos outros.

Hoje, as bancadas religiosas no Congresso Nacional, em Assembleias Estaduais e Distrital e nas Câmaras Municipais têm atuado em nome de projetos que são retrocessos. Como os que buscam criminalizar a orientação sobre o aborto legal. Ou as campanhas para reduzir a previsão de aborto legal, já permitido no Brasil em três situações: estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia.

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Por isso, repito que a pergunta para entender a proposta que está no Supremo deveria ser: "você defenderia que sua filha/irmã/mãe seja mandada para a cadeia por até três anos por realizar um aborto em si mesma em uma situação de desespero até a 12ª semana de gestação?" Nem acrescentei "esposa/namorada" porque desconfio que muitos brasileiros acreditam que elas sejam sua propriedade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL