Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Após minuta golpista, conta ligada a Bolsonaro sugeriu respaldo de generais

Após a reunião em que Bolsonaro discutiu e editou uma minuta de decreto de golpe de Estado para melar as eleições e prender Alexandre de Moraes com a ajuda das Forças Armadas, uma conta em redes sociais vinculada a ele, a Bolsonaro TV, postou imagem interpretada por seguidores como recado de que o Exército ajudaria a depor Lula.

No dia 19 de novembro de 2022, o então presidente recebeu o seu assessor para assuntos internacionais, Filipe Martins, e o advogado Amauri Saad, entre outras pessoas, no Palácio do Alvorada, e foi apresentado ao rascunho do documento. Martins foi preso no último dia 8 em meio à investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado.

Além da interferência na Justiça Eleitoral e da convocação de novas eleições, o texto também previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Na reunião, segundo delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, o ex-chefe teria feito ajustes no texto e, das prisões, mantido apenas a de Moraes. No mesmo dia, o então presidente pediu reunião para apresentar a proposta golpista aos comandantes das Três Forças - o que veio a acontecer no 7 de dezembro.

No dia seguinte, uma postagem na conta Bolsonaro TV mostrava uma foto com o presidente, o general Braga Netto, vice em sua chapa, e outros generais ao fundo. Na legenda, "Para cego ver: Braga Netto e Bolsonaro. Ao fundo, generais". Um trocadilho com a expressão usada para descrever imagens para pessoas com deficiência visual. Percebe-se, contudo, que a intenção não era essa, pois a conta não adota o mesmo cuidados nas outras publicações.

O perfil "Bolsonaro TV", do aplicativo de mesmo nome que reúne conteúdo sobre Jair e é ligado a ele (a própria conta oficial do presidente no Twitter pediu "faça download de nosso app"), foi a principal fonte desse tipo de mensagens cifradas.

A partir da derrota para Lula em 30 de outubro de 2022, seguidores radicais do então presidente da República vinham se dedicando à interpretação de imagens postadas em perfis ligados a ele encaradas como "recados secretos" para manterem a mobilização na porta dos quartéis.

A maior parte das mensagens cifradas levavam a crer, segundo os próprios apoiadores nas caixas de comentários, que Bolsonaro e as Forças Armadas iriam impedir a posse de Lula.

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A publicação com os generais foi entendida dessa forma pela ampla maioria dos mais de 5,2 mil comentários da publicação, lidos pela coluna com angústia.

"Se as Forças Armadas não agirem rápido, terão que prestar continência para um bandido", "Eu autorizo, presidente, para cima deles", "Estamos a postos também!!! Aguardamos o comando", "Chegou a hora, meu presidente, chegou o grande momento de retomar a ordem e as leis funcionarem para todos", "Bora pro pau", "Unidos somos mais fortes, não vamos sair da porta dos quartéis", "Salvem o Brasil das garras de Moraes e STF, por favor façam alguma coisa", são alguns exemplo.

Um deles, soou até profético: "Em frente ao QG do Exército aqui em Brasília, um batalhão de soldados destemidos, guerreiros e fortes aguardando o próximo comando".

Naquele momento, milhares de bolsonaristas estavam acampados nos arredores de instalações militares em várias cidades do país, aguardando, de 72 horas em 72 horas, que tanques viessem às ruas para ocupar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, atropelar o resultado das urnas e manter o perdedor do segundo turno, ou seja, Jair, no poder.

As postagens da Bolsonaro TV nas redes tomavam o cuidado de não defender abertamente o golpe militar, nem pedir para que os manifestantes permanecessem acampados ou trancando rodovias, evitando o risco de responsabilização criminal de Bolsonaro, do vereador Carlos Bolsonaro, que comanda a vida digital do pai, e de aliados. Mas deixaram recados que foram rapidamente entendidos pelos seguidores no sentido desejado pelo bolsonarismo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.