Leonardo Sakamoto

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Opinião

Ao preparar cela VIP, Exército assume que generais serão presos por golpe

É um bom sinal para a democracia brasileira que o Exército esteja preparando, por precaução, celas com capacidade para receber generais. Isso indica que a força terrestre vai acatar eventuais decisões do Supremo Tribunal Federal que enviem à prisão por tentativa de golpe de Estado pessoas que passaram pela cúpula da instituição.

Cumprir decisão judicial é o óbvio a acontecer, mas em um país em que, desde a Proclamação da República, militares acreditam que podem tutelá-la, estando acima da Constituição, sinais que reafirmam o óbvio são bem-vindos.

Além disso, há o ineditismo da chance de estarmos vendo generais de quatro estrelas da reserva sendo investigados por participarem de uma organização criminosa que tentou um golpe sob o risco real de serem condenados e enviados à cadeia. E isso no ano em que lembramos os 60 anos da ignomínia ocorrida em 31 de março de 1964.

Nesta quinta (22), irão depor à Polícia Federal os generais Braga Netto (candidato a vice na chapa de Bolsonaro, ex-ministro da Defesa e ex-ministro-chefe da Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha).

Na sexta (23), depõe o general Estevam Teophilo (ex-chefe do Comando de Operações Terrestres), um dos nomes mais bolsonaristas entre os bolsonaristas, que queimou energia pelo golpe.

A informação de que o Comando Militar do Planalto, em Brasília, está preparando salas para servirem de prisão a generais foi revelada pela revista Veja. Esses militares não poderiam ficar presos em batalhões de polícia do Exército ou em outras instalações que não sejam comandadas por generais, por uma questão de hierarquia.

A gravação da reunião ministerial de 5 de julho de 2022, com o general Heleno defendendo virada de mesa e espionagem da campanha do adversário, e as trocas de mensagens de Braga Netto, promovendo ataques contra o então comandante do Exército Freire Gomes e o chamando de "cagão" por não aderir à conspiração, acabaram por isolar os dois. Heleno por ter sido espalhafatoso e descuidado. Braga Netto, por agir como traidor contra colegas de farda.

Com isso, não há muita gente da elite da caserna que vai derramar lágrima pelos dois. E nem é pelo ataque direto à democracia que perpetraram.

Claro que houve muita gente omissa dentro da cúpula militar, que foi chamada a participar do golpe e não embarcou, porém não denunciou o que estava ocorrendo para o Supremo Tribunal Federal. Essas omissões precisam ser investigadas e, eventualmente, punidas. Mas esse crime não se compara ao envolvimento na tentativa de golpe.

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Neste momento, dado o tamanho do envolvimento de militares da ativa e da reserva na tentativa frustrada de golpe, para o Exército, vai sair barato se apenas um punhado deles for condenado e preso pelo que aconteceu no período de tempo entre as eleições e o 8 de janeiro de 2023. Sim, a cela vip é uma pechincha no final das contas.

O ideal seria que o país rediscutisse a função de suas Forças Armadas, encontrando formas constitucionais e institucionais de mantê-las longe das urna eletrônicas e da política e mais próximas de problemas reais, como nossas fronteiras, que mais parecem uma peneira de drogas e armas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL