Leonardo Sakamoto

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Opinião

Valdemar adota tática bolsonarista de largar aliados e joga Jair no mar 

Conhecido por abandonar seus aliados à própria sorte para salvar o próprio pescoço, Bolsonaro vai engolir seco ao ler o depoimento de Valdemar Costa Neto à Polícia Federal. Em vários momentos, o presidente do PL, um político que faz de tudo para sobreviver, aplicou em Jair o remédio que Jair aplica em todo mundo.

O ministro Alexandre de Moraes liberou, nesta sexta (15), o depoimento tomado em 22 de fevereiro, entre os de outros investigados. Valdemar disse que não concordava com as declarações de Bolsonaro sobre fraude nas urnas e que foi pressionado por ele e por aliados dele a ingressar com ação no Tribunal Superior Eleitoral para tentar anular os votos de parte das urnas eletrônicas no segundo turno. No caso, a parte em que Lula tinha mais votos que Jair.

Segundo a PF, ele disse à PF que "não concorda com a fala do presidente Bolsonaro, pois já participou de várias eleições e nunca presenciou nada que desabonasse o sistema eleitoral brasileiro. Inclusive, orientou a bancada do partido a votar contra a implementação do voto impresso".

Também afirmou que a ideia de contratar o Instituto Voto Legal, que produziu relatórios sem embasamento técnico e científico sobre o funcionamento das urnas eletrônicas (depois usados no pedido anulação ao TSE), partiu de Bolsonaro e de deputados do PL após uma sugestão do então ministro e, hoje, senador, Marcos Pontes. O instituto recebeu mais de R$ 1 milhão do partido para isso.

Valdemar explicou que "o então presidente Bolsonaro" e "deputados do Partido Liberal" pressionaram-no para ajuizar a ação no TSE depois que o relatório do IVL "vazou". Confirmou que não tinha autorização dos demais partidos da coligação para isso.

O discurso de agora do presidente do PL, que parece vir de alguém que não concordava em nada com o questionamento das eleições, contrasta com a energia que ele despendeu na defesa do indefensável.

Em 22 de novembro de 2022, após o PL pedir a anulação de 59% das urnas apenas no segundo turno, usando falácias e mentiras sobre o registro de votos nas urnas fabricadas antes de 2020, o ministro Alexandre de Moraes, presidente da corte, emitiu um despacho dizendo que a solicitação deveria conter também a anulação dos votos nos dois turnos. Ou seria desconsiderado.

O problema é que as mesmas urnas deram ao PL, a maior bancada na Câmara dos Deputados, com 99 parlamentares, além de oito senadores. E o poder político e o montante bilionário do fundo partidário e do fundo eleitoral decorrentes dessa liderança são coisas que Valdemar não queria abrir mão.

Por isso, Valdemar veio a público no dia seguinte dizendo que não fazia sentido excluir os votos do primeiro turno, pois isso criaria um "grave tumulto processual", colocando milhares de outros candidatos como polo passivo do caso, inviabilizando a apuração. E afirmou que fazer isso apenas no segundo turno seria uma forma "mais prática, objetiva e célere". Em suma, óleo de peroba.

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Moraes não aceitou a pataquada e aplicou uma multa de R$ 22,9 milhões ao PL por litigância de má-fé, além do bloqueio dos fundos do partido.

Desde que Valdemar da Costa Neto passou a usar o jurídico do PL para dar apoio ao golpismo de Jair, surgiram notícias dando conta de que ele era pessoalmente contrário a isso, mas que estava colocando as ações em prática por ser pressionado pelo presidente da República e pela metade bolsonarista da bancada eleita no partido. Agora, ele repete isso à PF.

Bobagem. O jogo duplo de Valdemar Costa Neto é uma fraude. As entrevistas que ele concede ou as conversas que faz com ministros e parlamentares dizendo que não tem más intenções não eliminam a erosão da democracia causada por sua colaboração ao golpismo de Jair Bolsonaro.

A História mostra que, na hora do julgamento das ações individuais, a justificativa do "estava apenas cumprindo ordens" já não é levada em conta desde o Tribunal de Nuremberg.

Em muitos momentos do depoimento à PF, ele afirmou que não sabia responder às perguntas. Por exemplo, quando questionado sobre a casa que foi alugada pelo PL em Brasília para ser sede da campanha de Bolsonaro à reeleição, mas que teria sido usada para discutir as minutas golpistas.

Em outras, abriu a boca só para se defender. Indagado sobre um vídeo de 15 de dezembro de 2022, em que afirmou "eu quero agradecer vocês que estão na rua, que estão ainda lutando e continue na luta, o Bolsonaro não vai decepcionar ninguém", ele disse que não estava incentivando bolsonaristas a permanecerem acampados, mas que deslocassem sua luta para a fiscalização do governo eleito.

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E cravou que não conhecia o então assessor Filipe Martins e o advogado Amauri Saad, responsáveis por levar a Bolsonaro o primeiro rascunho de minuta golpista. Também disse que não soube nada sobre as reuniões do então presidente com os comandantes das Forças Armadas, na qual Jair pediu ajuda para o golpe. E que nunca soube nada sobre o monitoramento contra o ministro Alexandre de Moraes.

Memória seletiva, claro.

É importante que a PF investigue o seu papel nessa conspiração, levando em conta que não é um coadjuvante, mas um dos protagonistas, e o STF julgue-o por isso. Alguém que ficou preso tanto tempo deveria ter medo de voltar para a cadeia. Não parece ser o caso.

Mas é impossível não lembrar de dois ditados populares ao ver Valdemar aplicando em Jair o seu próprio veneno. Afinal, ladrão que rouba ladrão...

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL