TRE analisa cassação de Castro por esquema de desvio do tipo 'gênio do mal'
O escândalo dos cargos secretos do Rio de Janeiro, cuja engenharia criativa o colocou na lista das formas mais inovadoras de surrupiar cascalho público, foi revelado por investigações do UOL em 2022. Agora, a fatura por ter desviado dinheiro da educação para pagar milhares de cabos eleitorais chegou para o bolsonarista Cláudio Castro (PL).
O desembargador Peterson Barroso Simão, relator da ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), recomendou a cassação do governador, que seria o mandante do esquema, do vice-governador, Thiago Pampolha, e do presidente da Alerj, de Rodrigo Bacellar, sob a acusação de abuso de poder econômico e político. Admirado, ele avaliou que o arquiteto da sacanagem toda seria uma espécie de "gênio do mal". Não chega a tanto, mas em se tratando de mutreta, o governo do Rio é realmente bastante inventivo.
O julgamento vai ser retomado, nesta quinta (23), após um pedido de vistas.
Basicamente o governo usou a Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para irrigar centenas de milhões para dezenas de milhares de pessoas ligadas a políticos.
A investigação de Ruben Berta e Igor Mello mostra uma estrutura envolvendo cargos secretos, funcionários-fantasma, alunos de mentira, vultuosos saques em dinheiro, rachadinhas por Pix, enfim, financiamento de cabos eleitorais de aliados com recursos que deveriam ser gastos na construção do futuro da população.
Por exemplo, na época das investigações, o UOL entrou em contato com 75 bolsistas que deveriam ter dado aulas em um projeto de qualificação profissional da Uerj. Eles receberam uma bolada e repassaram a maior parte dela a terceiros através de Pix e boletos nos meses que antecederam a campanha eleitoral de 2022.
Ao todo, 92 bolsistas ganhavam R$ 34 mil brutos por mês, ficavam com uma parte - na maioria das vezes, algo em torno de R$ 2.000 - e entregavam o resto. No total, foram R$ 8 milhões entre abril e agosto de 2022. Um advogado recebeu mais de R$ 100 mil e admitiu que não trabalhou, outros 54 não explicaram se prestaram algum serviço de fato, 12 não faziam ideia de como seus dados foram usados na sacanagem. Sim, outra inovação: o fantasma que não é branco, mas laranja.
"Um amigo próximo a um político aqui da região me chamou para dar aulas nesse projeto. Cheguei a preparar um material, mas, no dia do primeiro pagamento, ele disse que não seria necessário realizar o trabalho. Fomos ao banco e saquei todo o dinheiro. Fiquei com R$ 2.000 e, com o restante [cerca de R$ 23 mil], ele pediu para que eu pagasse um boleto em nome de uma empresa de terraplanagem", relata a investigação do UOL.
Questionado, um pastor evangélico que recebeu R$ 149 mil brutos entre abril e agosto, tendo sacado a metade disso na boca do caixa, mandou a reportagem procurar a reitoria da universidade. Detalhe: a esposa recebeu e repassou o mesmo que ele. É o milagre da multiplicação! Glória a Deus!
Ou seja, o governo do Rio de Janeiro transformou órgãos públicos em um grande caixa eletrônico para que seus aliados fazerem saques de dinheiro. Só na boca do caixa, foram sacados R$ 248 milhões em agências bancárias por dezenas de milhares de pessoas.
No final das contas, a inovação ajudou Castro a ser reeleito no primeiro turno. Sem uma condenação pelo TRE, a "tecnologia eleitoral" desenvolvida pelo Rio pode até ser exportada para outros estados nas próximas eleições. Os moradores do estado deveriam sentir orgulho.
Se for cassado, Cláudio Castro provará que o Rio de Janeiro cumpre à risca a sina de ter seus governadores, mais cedo ou mais tarde, investigados por corrupção, presos e/ou barrados por impeachment. Todos os governadores eleitos pelas urnas desde a redemocratização, em 1985, e que estão vivos, já foram presos ou afastados do cargo.
Eleito em 2022, Castro chegou ao poder após o afastamento de Wilson Witzel (2019-2021), de quem era vice, em agosto de 2020. Witzel, que foi definitivamente cassado no ano seguinte, foi acusado de encabeçar um esquema de desvios de verbas da saúde durante a pandemia de covid-19.
Antes de Witzel, Luiz Fernando Pezão (2014-2018) foi preso durante o seu mandato, em novembro de 2018, em meio aos desdobramentos da Lava Jato. Sérgio Cabral (2007-2014) foi preso em 2016 e condenado em ações na Lava Jato que ultrapassavam 400 anos de cadeia por corrupção e cobrança de propinas. Os governadores Rosinha Matheus (2003-2007) e seu marido Anthony Garotinho (1999-2002) protagonizaram uma série de prisões por corrupção. Já Moreira Franco (1987-1991) foi preso em 21 de março de 2019, em meio aos desdobramentos da Lava Jato no Rio de Janeiro, acusado de negociar propina em obras relacionadas à usina nuclear de Angra 3.
Dos ex-governadores vivos, apenas Nilo Batista (1994-1995), que assumiu o cargo quando Leonel Brizola renunciou para se candidatar à Presidência da República, e Benedita da Silva (2002-2003), assumiu após Garotinho renunciar para disputar a Presidência, não foram presos, nem afastados. Mas ambos não foram eleitos como governadores, mas sim, vices, ao contrário dos demais.
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Quero receberA pergunta que se coloca agora é se Castro terá o mesmo destino de Witzel, Pezão, Cabral, Garotinho, Rosinha e Moreira Franco ou vai terminar o mandato e não passará pela cadeia.
Para o bolsonarismo, de quem o governador é tributário, seria uma péssima notícia, uma vez que a proximidade de Lula com Cabral no passado foi explorada ad nauseam. E, em outubro, vai ter eleições municipais.
Em tempo: A defesa de Castro aponta que a prova de que o esquema não serviu aos propósitos eleitorais de Castro é que ele venceu Marcelo Freixo (hoje PT, na época PSB) por mais de 2 milhões de votos de vantagem. Ironicamente, isso sugere exatamente o contrário: que o tamanho do esquema era grande, muito grande.