Leonardo Sakamoto

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Opinião

Marçal mostra que debate virou um estúdio de meme que morrerá se não mudar

Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e José Luiz Datena (PSDB) não foram ao debate promovido pela Veja e pela ESPM, nesta segunda (19), alegando que Pablo Marçal (PRTB) desrespeita as regras dos debates. A campanha de Tabata Amaral (PSB), em quinta nas pesquisas, decidiu ir e dividir palco com o empresário e com Marina Helena (Novo).

A discussão principal não é se a ausência dos três foi acertada ou se a presença de Tabata, que pertence ao campo democrático, trará frutos a ela, mas a necessidade urgente de mudar a forma como organiza-se debates no Brasil.

Pablo Marçal aprofundou uma tendência que já vinha de outras eleições, de aproveitar os superficiais embates no primeiro turno para a produção de conteúdo voltado às redes sociais. A novidade é que, com ele, houve uma completa dissociação entre o evento e seu objetivo. Tanto que se furtou a responder perguntas formuladas no debate desta segunda, até porque, para ele, o evento em si é mero detalhe.

Tanto no debate da TV Bandeirantes quanto no do jornal O Estado de S.Paulo e no da revista Veja, o empresário demonstrou desconhecimento do município que pretende administrar. Mas usou o espaço para atacar adversários e gravar vídeos que, imediatamente, viralizam aos milhões em suas redes sociais. Claro que, neles, aparecem apenas as lacrações.

Os veículos de comunicação e as campanhas precisam mudar a sua forma de realizar debates pelo bem da democracia. Venho defendendo isso neste espaço no UOL desde 2010.

Melhor seriam eventos agrupados por pacotes de temas de interesse público ao invés do formato atual, em que há pouco tempo para que candidatos sejam obrigados a tratar das soluções para os problemas e muito para que se engalfinhem. Para quem acha que isso é chato, basta ver alguns dos debates nos Estados Unidos que adotam essas regras e funcionam bem.

E para que um punhado de debates em que se repetem as mesmas brigas e as mesmas mentiras, se os veículos poderiam se juntar e organizar pools de transmissão simultânea? Isso leva a crer que muitos eventos não são nem vistos como entretenimento, mas caça-níqueis de audiência.

Organizadores chegam a dizer a campanha que são contra um "circo" (com todo o respeito aos palhaços, que desempenham com seriedade a sua profissão), mas também não desejam "velório".

Pelas regras eleitorais, Pablo Marçal não precisaria ser convidado, pois seu partido, o PRTB, não tem o número mínimo de parlamentares para garantir sua ida a debates em rádio e TV. Mas veículos "criaram" uma nova regra, sob a justificativa da relevância, e colocaram-no lá dentro — regra que cobra um custo para a qualidade do debate público.

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Esta não é a primeira vez, nem será a última em que os primeiros colocados em pesquisas faltam a debates. A diferença é que, neste caso, há uma ausência coletiva cuja justificativa é que um dos candidatos está agindo como hater.

Para Nunes, que disputa com Marçal o eleitorado de direita, os debates são jogos de seis pontos. Para Boulos, é um momento de cair em uma pegadinha do empresário, uma vez que ele bate no deputado federal de esquerda para conquistar o coração dos bolsonaristas. E Datena vem reclamando de ter que participar de debates marcados pela baixaria.

O bolsonarismo nas redes sociais que critica hoje Nunes, Boulos e Datena esquece que no segundo turno de 2018, Jair poderia ter participado de debates com Fernando Haddad, mas os evitou. Ele, que havia sofrido o abominável atentado em 6 de setembro não ia a debates alegando que estava em recuperação, mas concedia entrevistas e participava de sabatinas alegremente.

Tabata está sendo criticada nas redes por endossar Marçal em sua estratégia de transformar os debates em estúdio de cortes para as redes sociais. Se ela não fosse, realmente ficaria o empresário e Marina Helena, do mesmo campo ideológico, falando sobre o Hamas ou sobre o comunismo.

Do ponto de vista estratégico, contudo, faz sentido a deputada federal ocupar qualquer espaço possível, porque está em quinto lugar nas pesquisas. É bem possível que, se fosse na eleição de 2020, Boulos, com pouco tempo de rádio e TV e orçamento limitado, e atrás nas pesquisas no início da campanha, também fosse ao debate se Marçal ali estivesse.

Debates são essenciais para a democracia, desde que atendam às necessidades da população. Isso significa que os veículos de comunicação terão que ceder, agrupar-se, mudar formatos. E as campanhas precisarão aceitar regras e formatos novos em que seja possível ir a fundo nos problemas da pólis - sim, hoje muitas torcem o bico quando se propõe algo diferente. Não adianta incensarmos um modelo que está doente só porque somos nós, jornalistas, que o levamos adiante.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL