Leonardo Sakamoto

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Opinião

Queda do X não trará fim do mundo ao Brasil. Isso ocorreria sem o WhatsApp

A suspensão do X/ Twitter não levou à guerra civil ao contrário do que ameaçavam os arautos do apocalipse. Ela vai bombar os protestos de caráter golpista organizados pelo bolsonarismo no 7 de setembro, mas a Cecília, vendedora de tomate em uma feira livre no Jardim Catanduva na periferia de São Paulo, não perdeu sua noite de sono pela queda do X. Perderia, contudo, se a plataforma suspensa fosse o WhatsApp.

Ha três grupos rangendo os dentes por conta da decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes: os que usavam a rede para disputa política, os que a encaravam como instrumento de monitoramento da política e os que ganhavam dinheiro com ela.

No primeiro, temos gente que se sentiu livre na plataforma com a chegada de Elon Musk, que segue uma cruzada para ser o principal influenciador digital da extrema direita no mundo. Há um comportamento entreguista dessa turma, que tacha de censura uma decisão que, apesar de amarga, visa a garantir o respeito à soberania brasileira. Dá razão a quem nos chama de República de Bananas por defenderem que, quanto mais rica a pessoa, menos leis ela precisa seguir.

No segundo, estão jornalistas, pesquisadores, analistas políticos. O grupo se lascou gostoso com a saída da rede do ar porque a usava para acompanhar o comportamento de líderes políticos, sociais e econômicos e demais figuras públicas do Brasil e do mundo que se comunicam via plataforma. Há uma perda para o debate com isso, sem dúvida, forçando esses profissionais a construirem outras saídas. Mas também mostra o risco de o debate público ser sequestrado por uma empresa privada.

Se por um lado perdemos uma boa ferramenta de fiscalização do poder com a suspensão do X/Twitter, por outro temos menos ódio e intolerância influenciando as eleições de outubro por aqui.

No terceiro, está o pessoal que ganha dinheiro honesta ou desonestamente com a plataforma, desde a turma séria que a usa como instrumento de assessoria e construção de reputação digital de pessoas e empresas até os criminosos que a transformaram em plataforma de ataques anônimos a adversários de quem pagar mais. Esse segundo grupo, agora, vai ter que procurar um trabalho honesto, talvez como o da Cecília, vendedora de tomate.

O pessoal que quer bons memes é o que menos sofre, porque já está migrando para outras redes. Afinal, memes são eternos.

Mesmo considerando a importância do X/Twitter para esses grupos, e sua capacidade de influenciar indiretamente outra parcelas da sociedade, vale ressaltar que a plataforma conta com pouco mais de 22 milhões usuários do mais, dos quais cerca de 9 milhões ativos. Sua suspensão será sentida, mas de forma limitada.

Óbvio que, bem diferente seria se o WhatsApp sumisse de uma hora para outra do Brasil. Por aqui, ele está em cerca de 98% dos celulares no país e estimativas apontam até 190 milhões de diferentes contas, sejam elas de pessoas físicas ou jurídicas. A vida era discutida no X, mas ela passa pelo Zap — que também é usado para espalhar mentiras e desinformação, mas o serviço conecta os brasileiros mais do que o telefone ou o e-mail. Se ele não existisse, algo muito parecido seria criado para ocupar seu lugar.

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No passado, a Meta, dona do serviço do aplicativo de mensagens que funciona quase como uma rede social, já teve o serviço suspenso por decisões judiciais de instâncias inferiores. Também já foi duramente criticada, nas eleições de 2018, por sua estrutura que permitia disparos em massa de desinformação e conteúdo de ódio.

Hoje, a empresa mantém um diálogo aberto com o Tribunal Superior Eleitoral para atender determinações e vem ganhando um bom dinheiro com propaganda de candidatos. Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com o Brasil, ao contrário de Elon Musk. E, até agora, tem operado em uma lógica diferente, seguindo as leis do país.

O que não significa que aceite passivamente a discussão sobre a regulação da atuação de plataformas, como vimos no processo de bombardeamento e engavetamento do chamado PL das Fake News.

Tanto ele quanto Musk dominam algoritmos que são alvo de críticas nos Estados Unidos e no mundo devido ao seu superpoder de decidir o que e como determinadas informações vão chegar a milhões ou bilhões de pessoas.

Musk tem usado a sua rede abertamente para tentar eleger Donald Trump. Zuckerberg é atacado pelo bilionário e os republicanos em meio à campanha eleitoral e vem cedendo, seja ao elogiar o candidato, seja ao chancelar suas reclamações sobre censura pelo governo.

Tudo isso revela o nível de dependência que temos dessas empresas para o debate público hoje. O que aconteceu no Brasil será referência para o mundo, seja para a extrema direita usar o que aconteceu para reforçar seu discurso sobre censura, seja para governos e cidadão do mundo aprofundarem o debate sobre regulação de plataformas a fim de garantir que não privatizemos a democracia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL