Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Obesidade infantil: STF julga se publicidade pode omitir açúcar e gordura 

O Supremo Tribunal Federal vai analisar, nesta semana, se as grandes indústrias de produtos ultraprocessados devem avisar em suas propagandas na televisão e nas mídias digitais que aqueles produtos trazem altos teores de açúcar, gordura e sódio e os riscos que causam à saúde.

Apesar de isso estar previsto na resolução RDC 24/2010 da Anvisa, desde 2010 a agência aguarda a resolução de um litígio, pois há empresas que não querem trazer esses alertas sanitários à tona.

"Esse talvez seja o primeiro grande caso sobre direito à alimentação em tramitação na corte constitucional, desde a sua inclusão como direito social pela Emenda Constitucional número 64 em 2010", afirma a advogada e professora da FGV Direito SP Eloísa Machado, que atua neste caso em nome da ACT Promoção da Saúde.

Naquele momento, a preocupação central era o combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional, mas já estava claro que dependeria de uma alimentação adequada e saudável, a ser garantida por uma política de Estado.

No Brasil, há 2,9 milhões de crianças menores de dez anos e 3,4 milhões de adolescentes com obesidade. É importante fazer um alerta: aqui, o excesso de peso não se trata de uma questão estética, nem para crianças, nem para adultos. Diversos riscos são aumentados para quem apresenta essa condição, como o desenvolvimento precoce do diabetes tipo 2, aumento da pressão arterial, problemas do coração e outras doenças crônicas não transmissíveis.

O diabetes infantil, por exemplo, tem crescido no país e já é motivo de preocupação. Aproximadamente uma em cada três crianças brasileiras com diabetes sofrem a do tipo 2, associada a um padrão alimentar inadequado, um de seus principais fatores de risco. Em 1990, eram 5%.

Entre adultos, os dados do diabetes tipo 2 são ainda piores, chegando a acometer 10,2% da população e um terço das pessoas a partir dos 65 anos. A relação entre uma alimentação não saudável e esse tipo de problema de saúde é um consenso científico.

Os padrões alimentares característicos dessa dieta apresentam excessos de açúcar, gordura e sódio, nutrientes comumente presentes nos produtos alimentícios ultraprocessados, que vêm sendo cada vez mais consumidos no país.

Diante deste cenário, o Brasil tem adotado uma série de políticas públicas para promover uma alimentação saudável. Por exemplo, os ultraprocessados não são permitidos na alimentação oferecida nas escolas públicas, um programa que também subsidia a aquisição de alimentos saudáveis e menos processados e oriundos da agricultura familiar. E há uma série de iniciativas unindo políticas de saúde, econômicas, tributárias e educacionais, como a recomendação que os brasileiros evitem consumir ultraprocessados, os Guias Alimentares do Ministério da Saúde, entre outros.

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"Uma dessas políticas se refere à garantia de informação precisa, à população, sobre a qualidade dos alimentos e quantidade de nutrientes que, caso sejam consumidos em excesso, podem fazer mal à saúde. São os rótulos do tipo alertas sanitários em formato de lupa, presentes obrigatoriamente no painel frontal de embalagens de produtos que contêm altos teores de açúcar adicionado, gordura saturada ou sódio", afirma Eloísa Machado.

Mas essas informações também precisam estar nas propagandas, que são responsáveis pela criação do desejo e a tomada de decisão do consumidor.

O julgamento no STF teve início no plenário virtual e depois no plenário físico da Primeira Turma, interrompido por pedido de vistas da ministra Cármen Lúcia. Mas já há dois votos que reconhecem a constitucionalidade da política criada pela Anvisa na RDC 24/2010.

O relator do caso, ministro Cristiano Zanin, ao tratar de dados sobre obesidade infantil, pontuou o impacto da publicidade de alimentos não saudáveis na saúde de crianças, destacando que "o cenário nacional e mundial contemporâneo, no qual alimentos não saudáveis estão sendo apontados por especialistas como a causa de problemas de saúde, como obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e outras condições relacionadas à má alimentação, inclusive na população infantil, permite que a leitura do texto constitucional alcance a possibilidade de se aplicar restrições legais sobre a propaganda de alimentos com alto teor de açúcar, gordura saturada ou trans, sódio e bebidas com baixo teor nutricional".

Já o ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, afirmou que "não só esses dados são alarmantes em termos da prevenção de doenças e da qualidade de vida população, como também revelam o potencial de afetar negativamente os cofres públicos pela sobrecarga do sistema de saúde com o tratamento das doenças relacionadas ao consumo desses alimentos".

"O reconhecimento da constitucionalidade da política de alertas sanitários para alimentos com alto teor de açúcar, gordura e sódio é também um reconhecimento de que é preciso haver um esforço integrado e amplo, com inúmeras frentes, para a garantia do direito constitucional à alimentação", avalia a professora da FGV.

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Houve recente melhora do cenário de fome, mas a sua superação continua sendo um desafio no país, assim como a implementação do direito à alimentação adequada e saudável, sobretudo diante da mudança dos hábitos alimentares da sociedade brasileira.

É preciso ressaltar que o consumo de ultraprocessados, bem como alimentos ricos nos nutrientes críticos citados, contribui com a insegurança alimentar e nutricional.

Políticas como a que prevê os alertas em propagandas de ultraprocessados buscam promover uma alimentação saudável; são, portanto, políticas de saúde. No cenário brasileiro, no qual crianças e adolescentes já adoecem em razão de má alimentação, são também uma política para o futuro.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.