Leonardo Sakamoto

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Opinião

Roubo de aposentados do INSS por sindicatos picaretas joga honestos na lama

A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União botaram na rua, nesta quarta, uma megaoperação para combater um esquema de mensalidades descontadas ilegalmente de aposentadorias e pensões feita por um grupo de associações e sindicatos picaretas e seus comparsas. A ação ilegal acaba jogando a imagem dos sindicatos honestos para a mesma lama.

Foram R$ 6,3 bilhões desviados entre o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro e o segundo ano do governo Lula, segundo a PF e a CGU. A operação, com mais de 700 policiais e 80 servidores do CGU, afastou o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, nesta quarta.

Antes de mais nada, é importante não confundir mensalidades associativas com contribuição negocial — taxa que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional em setembro de 2023. Esta última é considerada uma forma de retribuição dos trabalhadores pelos benefícios obtidos na negociação coletiva, como aumento salarial, e que pode ser cobrado de todos, com exceção àqueles que declararam que não desejam pagá-la.

No caso investigado pela PF e a CGU, trata-se de mensalidade cobrada de aposentados e pensionistas por fazer parte da associação ou sindicato. Parte das vítimas do esquema foi incluída sem nunca ter tido contato com a entidade em questão, ou seja, à sua revelia. É roubo. Puro e simples.

Em outros casos, associações e sindicatos costumam ser procurados por trabalhadores de suas categorias para ajudar a entrar com o pedido de aposentadoria ou de pensão. Nesse processo, é oferecido a eles que se associem, em troca de benefícios, como plano de saúde. Nas entidades sérias, quando trabalhadores dizem que não têm interesse, permanecem fora da associação. Agora, há aquelas picaretas que os enganam e passam a cobrar mensalidade, entrando também no caso investigado.

Outras vezes, confederações e federações, responsáveis por assinar acordos, acabam tendo o nome envolvido devido a sacanagens cometidas por seus sindicatos na base.

Após denúncias de que bancos e associações condicionavam ilegalmente empréstimos consignados aos aposentados e pensionistas à filiação obrigatória a associações e sindicatos, uma investigação foi realizada pelo Tribunal de Contas da União a pedido de membros do Congresso Nacional.

O TCU confirmou a existência de descontos irregulares em benefícios previdenciários do INSS no ano passado. E apontou falhas graves nos controles do INSS, permitindo que mensalidades associativas fossem descontadas sem autorização. Embora não tenha confirmado "venda casada" em larga escala com o envolvimento de bancos, confirma que a fragilidade do sistema permitiu irregularidades.

Avaliou também que o INSS não verificava devidamente os termos de filiação e autorização antes de efetuar descontos, contrariando a legislação. Até porque a divisão responsável por esse tipo de controle contava com poucos servidores, evidenciando incapacidade operacional. Mais de um terço dos casos analisados pelo TCU tinham descontos de mensalidades associativas sem documentação comprovatória válida. O órgão identificou um salto injustificável no número de associados de uma série de entidades.

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Com isso, o TCU demandou suspensão de novos descontos associativos até a implementação de uma série de medidas para combater as fraudes, recomendou campanhas informativas aos aposentados sobre como identificar e contestar descontos irregulares e solicitou ao INSS e à Dataprev a criacão de ferramentas de bloqueio automático e desbloqueio específico por beneficiário, além da revalidação dos descontos já existentes.

No ano passado, o governo Lula criou uma instrução normativa que exige assinatura eletrônica e biometria para comprovar autorização desse tipo de desconto, indo ao encontro de uma das recomendações do TCU

O relator do caso, o ministro Aroldo Cedaz reconheceu esforços de servidores para combater as fraudes — no ano passado, o próprio INSS constatou mais de um milhão de aposentados que tinham pedido o cancelamento dos descontos. Mas os apontou como insuficientes.

"Por que o INSS autorizou essa sistemática de desconto consignado para mensalidades associativas e sindicais se não tinha condição alguma de fiscalizar?", questionou em seu relatório. É uma boa pergunta.

É fato que o INSS se encontra, há muito tempo, em grave crise em relação à capacidade de operacionalizar a política previdenciária. Mas isso não pode servir como justificativa para permitir o roubo aposentados e pensionistas. A questão a ser explicada é o quanto a incapacidade estrutural do INSS era devido à falta de prioridade política e o quanto era proposital para permitir alguém ganhar dinheiro.

Ou seja, precisam ser punidos os membros de associações e sindicatos que sacanearam com os trabalhadores e os servidores públicos que os ajudaram, mas também que entre nesse pote empresas que foram beneficiadas e políticos que ganharam seu cascalho para manter tudo como está. Um esquema desse tamanho é grande e tem muita gente graúda. E há muito sindicato picareta com "dono" que foi aberto para tirar cascalho do trabalhador, mantendo uma vida promíscua com o patronato.

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Sindicatos que operam dentro da lei temem que a operação seja instrumentalizada para atacar o seu financiamento. Seria um bom momento para algumas confederações atuarem mais fortemente para separar o joio do trigo, isolando os sindicatos que atuam de forma bandida antes que a importante representação dos trabalhadores, responsável por conquistas civilizatórias ao longo dos últimos séculos, sucumba e seja cremada pelo discurso que defende que direitos são concessões de empresário bonzinho.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL