Letícia Casado

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Reportagem

PM truculenta e desordem pública assombram candidatos a vice em SP

A segurança pública está no centro da eleição para a Prefeitura de São Paulo. Os candidatos a vice das duas chapas que lideram as pesquisas têm desafios diferentes nessa área.

Ricardo Mello Araújo, vice de Ricardo Nunes (MDB) e ex-comandante da Rota, tem uma imagem associada à violência policial contra a população periférica. As forças de segurança pública têm, historicamente, uma atitude agressiva contra negros e pobres, o que pode se mostrar um passivo que o vice traz para a chapa de Nunes. A campanha de Mello Araújo diz, por meio de nota, que ele não tem imagem ligada à violência e que nunca enfrentou processos ao longo dos 32 anos em que esteve na PM.

Já Marta Suplicy, vice de Guilherme Boulos (PSOL), enfrenta dúvidas da classe média sobre sua capacidade de "manter a ordem pública".

Pesquisa divulgada no fim de julho mostra que Marta faz Boulos subir dez pontos percentuais, enquanto o coronel Mello tira sete pontos de Nunes no segundo turno.

Truculência policial no histórico do vice de Nunes

Nunes e Araújo precisam convencer o eleitor de que haverá respeito ao morador da periferia. O vice do atual prefeito ficou associado à truculência policial. O rótulo surgiu quando ele assumiu o comando da Rota, em 2017, e defendeu que era correto um PM tratar o morador dos Jardins de forma diferente de uma abordagem na periferia. "É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente."

As declarações foram feitas em entrevista ao UOL em agosto de 2017. O candidato a vice era tenente-coronel na época e deu a entender que nos Jardins o policial deveria ser educado. A exigência não só não se aplicaria às áreas vulneráveis de São Paulo como não seria recomendável.

"Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado. Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins."

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As afirmações de Mello Araújo foram bastante criticadas na época. As falas foram encaradas como uma confissão do então tenente-coronel de que a Rota discriminava os moradores das periferias. O oficial ficou no comando da Rota entre 2017 e 2019.

Outra polêmica aconteceu quando ele era presidente da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). Em 2022, Mello Araújo alugou uma sala do centro de distribuição de alimentos para um clube de tiro. Foram usados 600 metros quadrados do terceiro maior centro atacadista de alimentos do mundo. A campanha informa que Mello Araújo fez "uma administração bem-sucedida à frente da Ceagesp". "Lá, ele denunciou e combateu a corrupção e a prostituição infantil, além de ter reduzido a dívida da companhia."

Mas a situação reforçou em Mello Araújo a imagem de defensor das armas. Esta característica não é bem-vista nas periferias porque a população destes locais é quem mais sofre com a truculência policial. Outra declaração que compromete a reputação do candidato a vice diante do eleitor de menor renda é ele ter defendido o fim da ouvidoria da PM. Este departamento é responsável por receber denúncias de abuso da tropa.

A somatória das afirmações resultou na associação de Mello Araújo como a de uma figura que defende tratamento diferente à população conforme a classe social da pessoa abordada, aspecto associado ao incentivo do armamento e extinção dos canais de denúncia dos PMs. Ainda que a segurança pública seja uma demanda prioritária do eleitor, há o risco de que a figura de Mello Araújo mais atrapalhe do que ajude a reeleição do prefeito.

Mas o lado negativo não esconde que o rótulo de pulso firme também ajude a combater uma fragilidade da administração Nunes. O atual prefeito demitiu os subprefeitos de Pinheiros e Capela do Socorro no começo do ano passado porque eles não mantinham a ordem pública.

De olho na reeleição, o prefeito queria mostrar serviço na chamada zeladoria: manutenção de praças, limpeza, iluminação, poda de árvores e combate ao entupimento de bueiros. Isso é bastante relevante numa cidade que costuma alagar com chuvas forte. S presença de um ex-comandante da Rota na chapa transmite a imagem de manutenção da ordem ao eleitor.

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Boulos e Nunes lideram as pesquisas de intenção de voto na capital paulista
Boulos e Nunes lideram as pesquisas de intenção de voto na capital paulista Imagem: Zanone Fraissat/ Folhapress e Danilo Verpa/Folhapress

Marta e a falta de pulso firme na zeladoria

Boulos e Marta vão encarar dúvidas da classe média sobre a capacidade de "manter a ordem pública". Ele vai enfrentar a narrativa que o associa à invasão de imóveis e de ser contra o princípio da propriedade privada, imagem decorrente de seus anos de militante no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

A escolha de Marta na chapa serviu justamente para amenizar a imagem de radical do deputado federal junto à elite paulistana, além de apostar na potencial transferência de votos da ex-prefeita entre o eleitor de baixa renda.

Marta foi prefeita de São Paulo entre 2001 e 2004. A classe política paulistana considera que ela tem até hoje boa avaliação entre eleitores da periferia por iniciativas como os CEUs (Centros Educacionais Unificados). Uma pesquisa divulgada no início do mês mostra que Boulos tem o pior desempenho no estrato mais pobre e menos escolarizado.

No entanto, enquanto prefeita, Marta enfrentou protestos de lojistas e teve que lidar com conflitos entre camelôs irregulares e a fiscalização da prefeitura. Lojistas do centro da capital reclamavam da falta de uma política municipal em relação aos vendedores ambulantes. A situação perdurou todo o mandato.

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A chapa foi costurada pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) com o presidente Lula, em outubro do ano passado. Falcão participou do almoço na casa de Marta que oficializou a equipe, em janeiro. Depois, passou a coordenar a pré-campanha e a participar das reuniões do comitê em uma casa no Pacaembu, no mesmo imóvel onde foi montado o QG de Lula em 2022.

Em julho, se licenciou do mandato para trabalhar em tempo integral na coordenação em São Paulo e atuar como "a voz e os olhos do presidente na campanha", define um interlocutor.

Segurança pública em foco

O comando da polícia nas cidades fica sob a responsabilidade do governo do estado, mas o tema vai perpassar as eleições municipais por ser uma das maiores preocupações do brasileiro e por jogar o debate no campo da polarização — justamente o que interessa a petistas e a bolsonaristas.

Neste contexto, a atuação da Guarda Civil Metropolitana entrou no foco das campanhas. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) impôs o nome de Mello Araújo para a chapa de Nunes sob ameaça de apoiar outro candidato —por exemplo, o coach Pablo Marçal (PRTB)— e dividir os votos do eleitorado de direita.

Mas a associação de um nome tão conectado com a segurança pública pode ser um problema pelo histórico de violência da Polícia Militar com a população de baixa renda, em especial negros e pobres.

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Boulos criticou a escolha do vice de Nunes, mas chamou outro ex-Rota, Alexandre Gasparian, para ajudar a construir seu programa de governo com objetivo de afastar a imagem de que a esquerda é complacente com bandido.

Em outra frente, sua campanha vai trabalhar para atrelar Marta Suplicy a medidas de segurança para as mulheres, com a distribuição de viaturas em locais estratégicos e que sejam voltadas ao atendimento de chamadas de crimes que se enquadram na Lei Maria da Penha. A chapa também estuda propor a instalação de câmeras corporais nos agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana).

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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