Letícia Casado

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Tragédia no RS escancara que clima deveria dominar eleições, mas não vai

A catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul em maio não vai ser suficiente para transformar o debate sobre as mudanças climáticas como uma questão central nas campanhas eleitorais pelo país, dizem especialistas em ambiente e urbanismo.

Eles destacam que, apesar de outras pautas parecerem mais urgentes —como segurança pública e habitação—, a questão climática precisa ser discutida em conjunto com esses temas, porque outros desastres tendem a acontecer.

O que mais afasta o tema da pauta eleitoral é a falta de interesse da população, que não associa os desastres a uma tendência decorrente de mudança climática, e a falta de conhecimento dos gestores, que não têm intimidade com o assunto, resume Rodrigo Perpétuo, secretário-executivo do Iclei (organização internacional que reúne governos para promover o desenvolvimento urbano sustentável). "A pauta precisa vir dos candidatos para ganhar a importância", diz ele.

De maneira geral, os programas de governo dos candidatos costumam incluir menções à mudança climática. Na prática, no entanto, o discurso sobre clima tem menos apelo junto ao eleitor do que temas como corrupção ou pauta de costumes.

No debate da Band Rio, por exemplo, o tópico foi destacado apenas por Tarcísio Motta (PSOL). "O tema vai aparecer nas campanhas, mas provavelmente não com o destaque necessário", afirma Suely Araujo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

Despreparo das cidades

A tragédia no Rio Grande do Sul é a face mais visível do impacto das mudanças climáticas no Brasil por ser uma região de alta densidade populacional e cuja crise foi amplamente coberta pelos veículos de comunicação.

No entanto, o país registra outros eventos climáticos extremos, como seca na Amazônia, incêndios no Pantanal, calor e frio intenso em partes do país e chuvas acima da média em algumas regiões. Nos últimos verões, São Paulo passou dias sem energia elétrica e o litoral paulista ficou alagado. Levantamento feito pelo governo Lula (PT) no ano passado indicou 1.942 municípios com alto risco de desastres naturais.

Maria Netto Schneider, diretora do ICS (Instituto Clima e Sociedade), diz que as cidades não estão preparadas para cenários climáticos distintos do que já aconteceu. "Em São Paulo, a eletricidade caiu e ficou uma discussão sobre quem deveria repor. As pessoas não entendem ainda que esses riscos são recorrentes e tratam como desastres específicos. Naquele momento, se preocupam, mas não pensam que vai acontecer de novo."

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Ela diz que incluir a mudança climática no planejamento das cidades reduz o custo econômico para os cofres públicos. Fazer um planejamento fiscal nesse sentido inclui priorizar projetos orientados pelo desenvolvimento sustentável, que evitem os custos econômicos de desastres e com capacidade para responder a emergências.

Mais do que plantar árvores

Planejar o desenvolvimento sustentável na cidade vai muito além de apenas fazer parques e plantar árvores.

"As pessoas colocam a política climática como se fosse apenas responsabilidade do governo federal, mas os municípios têm um papel importantíssimo", diz Suely Araujo. "As cidades são impermeáveis por causa do asfalto. Quando chove, a água não tem como entrar, escorre e causa inundação."

Ela destaca que a ocupação do solo é definida pela legislação municipal, elaborado por prefeitos e vereadores. "O município é a esfera constitucionalmente responsável pelo ordenamento territorial urbano", afirma. Cabe a eles decidir, por exemplo, sobre o potencial construtivo na beira dos rios ou na costa das cidades litorâneas, além de fazer a gestão de áreas de riscos, como casas em encostas, por exemplo.

Impacto em segurança, habitação e áreas de risco

Perpétuo, do Iclei, diz que o conceito mais amplo de segurança urbana deveria contemplar a questão climática porque o cidadão que mora em área de risco tem sua integridade física ameaçada. "Essas pessoas, em geral mais pobres, não têm consciência da exposição ao risco ao qual estão submetidas e precisam do poder público chamando atenção para os fatos."

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Para Schneider, do ICS, os municípios podem pensar a habitação popular estimulando o financiamento de material de construção voltado para aquela condição climática.

Araujo afirma que as cidades precisam preparar um plano de contingência para eventos extremos, que inclui a Defesa Civil. "No Rio Grande do Sul, as pessoas não sabiam se ficavam em casa ou para onde iam. Não é o governo federal que vai gerir isso."

Nova tendência mundial

A mudança climática impacta a área da saúde. Os especialistas citam a epidemia de dengue como um exemplo prático. "O clima ajuda a aumentar o vetor da doença e o mosquito se reproduz mais", diz Perpétuo, que destaca também a alta nos casos de doenças respiratórias. Para ele, falta aos candidatos fazer a correlação das doenças com as condições da cidade. Isso inclui planejar a mobilidade urbana priorizando o transporte coletivo para diminuir a poluição do ar.

Além desses pontos, os legisladores podem, ainda, decidir como trazer a pauta para escolas. "Nos currículos pedagógicos, no sentido de catalisar uma maior consciência e postura cidadã mais amigável em relação à crise climática, de resíduos ao uso da água e o consumo responsável", diz Perpétuo.

Segundo Schneider, existe uma tendência de não entender que os riscos oferecidos pela mudança climática continuam a acontecer, como se fosse "um incidente que passou neste ano", e não uma nova tendência global.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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