Letícia Casado

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Reportagem

'Abin paralela' pôs Itaú e STF em complô contra urnas e 'jogou pros doidos'

A Polícia Federal encontrou documentos que apontam como funcionaria a criação e a disseminação de fake news por parte de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Batizado de "Abin paralela", o grupo de apoiadores inventou e espalhou uma notícia falsa em agosto de 2021 sobre o que seria um complô entre o banco Itaú e o STF (Supremo Tribunal Federal) para fraudar as urnas eletrônicas. Um dos integrantes da "Abin paralela" chama os influenciadores bolsonaristas de "grupo de malucos", além de se referir a eles como "doidos" em trocas de mensagens que fazem parte do inquérito da PF sobre a tentativa de golpe de Estado. Foram indiciados Bolsonaro, o general Braga Netto e mais 35 pessoas.

A partir da informação de que o Itaú tem participação acionária de 13% na Positivo, empresa de informática que pertencia à chinesa Lenovo, e de que os ministros Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, do STF, teriam ligação com escritórios de advocacia que prestam serviço para o banco, eles armaram a narrativa de que todos estariam unidos para fraudar as urnas eletrônicas e "manter a velha ordem".

Sob o comando do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), então diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o grupo de servidores criou a "informação" e divulgou pelo WhatsApp para o que eles apelidaram de "grupo dos malucos" para ser ramificada em redes sociais.

A Abin paralela é um grupo de servidores do órgão que atuavam sob o comando de Ramagem para prestar um serviço paralelo de inteligência para a Presidência da República durante a gestão Bolsonaro. Segundo a PF, esse grupo atuou, inclusive, monitorando e espionando pessoas de interesse do governo na época, incluindo jornalistas.

Essa estrutura foi alvo de uma investigação específica, batizada de Operação Última Milha. A atuação do grupo foi incluída no inquérito da trama golpista, e alguns dos integrantes estão na lista de indiciados pela PF. "Os integrantes da denominada Abin Paralela (?) tiveram a incumbência de produzir informações falsas sobre o processo eleitoral e ministros do STF e do TSE, disseminando para influenciadores digitais alinhados ao espectro político do ex-presidente Jair Bolsonaro", informa o relatório.

"Estes por sua vez, utilizando sua grande influência nas redes sociais, incitavam parcela da população a manterem as manifestações em frente a estabelecimentos militares e a realizarem ações violentas que tiveram o objetivo de criar o elemento desencadeador do Golpe de Estado."

Ramagem não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem. A defesa de Giancarlo Gomes Rodrigues informa que respeita a decisão das autoridades e reafirma seu compromisso com a ampla defesa e o devido processo legal. "Além disso, no caso concreto, o levantamento do sigilo do inquérito e amplo acesso às provas produzidas servirá para comprovar a inocência do acusado." A coluna não conseguiu contato com a defesa dos outros citados.

Como a "notícia" foi fabricada

Ramagem designou dois servidores do órgão, Bruno Marques e Paulo Magno, para verificar a possibilidade de "interferência" nas eleições pelo fato de a empresa Positivo, fabricante de computadores, ter sido contratada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para fornecer urnas eletrônicas para o pleito eleitoral de 2022.

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A troca de mensagens é datada de 29 de julho de 2020 —dias após a reunião de Bolsonaro com embaixadores na qual ele atacou o processo eleitoral brasileiro e pela qual o ex-presidente foi condenado à inelegibilidade pelo TSE.

Troca de mensagens com fake news sobre urnas
Troca de mensagens com fake news sobre urnas Imagem: Reprodução/PF

Ramagem encaminhou a Bruno Marques uma imagem de rede social que dizia: "Golpe à vista. Em 2010, a fabricante chinesa de computadores Lenovo comprou a Positivo Informática. Em 2020, a Positivo ganha a licitação do TSE para fornecer as urnas eletrônicas por R$ 799 milhões para as eleições de 2022. A esquerda ligou o modo turbo contra o presidente!".

O relatório aponta que o tema voltou a ser debatido em agosto de 2021: "Foram identificadas ações clandestinas realizadas por servidores cedidos à Abin, sob o comando de Alexandre Ramagem, para criar informações inverídicas relacionadas aos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, com o objetivo de desacreditar o processo eleitoral".

Neste caso, as ações foram perpetradas "principalmente pelo policial federal Marcelo Bormevet e pelo subtenente do Exército Brasileiro Giancarlo Gomes Rodrigues, ambos à época cedidos aos quadros da Abin", informa o relatório.

Eles discutiam a possibilidade de invasão das urnas eletrônicas e a divulgação dos dados de um inquérito da PF que apurava um suposto ataque ao sistema interno do TSE em 2018. E começaram a planejar uma campanha de desinformação nas redes sociais.

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Em 6 de agosto de 2021, Bormevet envia informações a Giancarlo relacionando o ministro Fux e um escritório da família do ministro Barroso, "misturando a participação acionária do banco Itaú na Positivo, fabricante de parte das urnas eletrônicas", diz o relatório. Ele dá o comando a Giancarlo: "Pode jogar no grupo dos malucos se quiser".

Troca de mensagens com fake news sobre Itaú, STF e urnas, em que se fala no 'grupo dos malucos'
Troca de mensagens com fake news sobre Itaú, STF e urnas, em que se fala no 'grupo dos malucos' Imagem: Reprodução/PF

Bormevet se refere aos influenciadores bolsonaristas como "malucos" e depois como "doidos". No diálogo com Giancarlo, questiona: "Será que os doidos vão gostar de saber que o Itaú controla a Positivo?".

Troca de mensagens apreendida pela PF aponta disseminação de fake news por bolsonaristas
Troca de mensagens apreendida pela PF aponta disseminação de fake news por bolsonaristas Imagem: Reprodução/PF

Segundo os investigadores, a sequência do diálogo demonstra que os servidores tinham consciência de que as notícias eram falsas. "Em dado momento, Bormevet confessa: 'Não sei se o sobrinho é sobrinho do Barroso mesmo'."

Ainda assim, ele orienta que a campanha de desinformação contra os ministros Barroso e Fux seja realizada: "Okay. Senta o dedo para galera".

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'Senta o dedo para galera', diz mensagem que espalha fake news
'Senta o dedo para galera', diz mensagem que espalha fake news Imagem: Reprodução/PF

'O povo adorou', diz subtenente sobre fake news

Giancarlo enviou as informações para o "grupo dos malucos" e deu retorno a Bormevet: "O povo adorou. Vão publicar uma thread [fio] amanhã".

No dia seguinte, 7 de agosto de 2021, Giancarlo compartilha os prints das publicações na rede social X (antigo Twitter), com o resultado da campanha de desinformação, contendo diversos ataques e vínculos inverídicos contra ministros do STF.

Postagens com ataques a urnas envolvendo a Positivo
Postagens com ataques a urnas envolvendo a Positivo Imagem: Reprodução/PF
Postagens com ataques a urnas envolvendo o Itaú
Postagens com ataques a urnas envolvendo o Itaú Imagem: Reprodução/PF
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Postagens com ataques a urnas envolvendo o Itaú
Postagens com ataques a urnas envolvendo o Itaú Imagem: Reprodução/PF

O perfil Veritas Bureau Brasil publicou uma sequência de posts questionando "o que está por trás" do fato de a Positivo ter vencido a licitação do TSE para fornecer parte das urnas eletrônicas.

Ainda relaciona a participação acionária do Itaú na empresa com os ministros do STF, faz acusações sobre "crimes de responsabilidade e tráfico de influência" e associa as informações a uma reportagem sobre uma doação em 2013 por parte de Maria Alice Setúbal, herdeira do banco Itaú, ao instituto que Marina Silva fundou para desenvolver projetos de sustentabilidade. Em 2014, Setúbal coordenou o programa de governo de Marina Silva à Presidência.

PF aponta 'desinformação sem lastro com realidade'

O relatório da PF afirma que os integrantes da "Abin paralela" sabiam que as informações eram falsas e, mesmo assim, decidiram difundir o material no "grupo dos malucos".

O documento destaca "a plena ciência dos interlocutores da desarrazoada desinformação produzida sem qualquer lastro com a realidade e com subsequente difusão de desinformação, seja por meio dos vetores de propagação cooptados, seja em grupos de rede social materializando os ataques".

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Para os investigadores, a propagação da desinformação em grupos integrados pela organização criminosa "atingia o intento ilícito com a disseminação em grupos infiltrados pelos servidores acima citados valendo-se de perfis fakes". O objetivo dessas ações clandestinas era desestabilizar o sistema eleitoral, diz o documento.

Procurado pela reportagem, o Itaú informou que repudia a criação e a disseminação de fake news e desinformação, "que causam danos incalculáveis para a sociedade". A instituição destaca que lançou no ano passado o blog #ÉFake "por meio do qual checa e se posiciona sobre notícias falsas relacionadas à instituição, para apoiar clientes e a população em geral no acesso a informação transparente e de confiança".

A Positivo não quis comentar o assunto.

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