Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
TSE não aprendeu que é possível contar mentiras dizendo só a verdade
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O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) acaba de criar uma assessoria permanente para enfrentar a desinformação. Pode ser uma notícia excelente, resta saber se a Corte finalmente entenderá contra o que está lutando.
As autoridades brasileiras estão presas a dois erros no enfrentamento das "fake news". O primeiro é classificar como mentiras e o segundo é imaginar que as soluções estão exclusivamente no ambiente digital.
Corremos contra o relógio. A pesquisa Datafolha de 27 de maio mostra que 55% do eleitorado acredita na possibilidade de fraude nas próximas eleições.
A desconfiança nas urnas eletrônicas não é mais exclusividade da bolha bolsonarista, onde circulam as teorias conspiratórias. Até entre os lulistas, há um percentual significativo de desconfiança.
O Democracy Report 2022, feito pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, mostra que retrocedemos 30 anos de avanços democráticos.
"Essa onda crescente de autocratização em todo o mundo destaca a necessidade de novas iniciativas para defender a democracia. Em 2021, surgiram várias iniciativas dessas, tanto na cúpula do poder quanto por uma infinidade de iniciativas importantes enraizadas na sociedade civil em todo o mundo. Mas o engajamento para proteger e promover a democracia deve ser construído sobre ciência para que seja eficaz", alerta o estudo (grifo meu).
Boas intenções e boa vontade não são suficientes. É necessário ciência e eficiência para combater os efeitos da desinformação. Na elaboração da lei das "fake news", a Câmara dos Deputados ouviu o "pai" da internet brasileira, Demi Getschko, diretor do NIC-br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br), integrante de notório saber do CGI-br (Comitê Gestor da Internet do Brasil) e primeiro brasileiro a entrar para o Hall da Fama mundial da internet.
"A internet possibilitou uma visão da sociedade, é um espelho da sociedade. Vimos com mais clareza ações humanas que antes talvez fossem menos visíveis. Se olha para esse espelho e não gosta, quebrar o espelho não resolve. Qualquer nova abordagem legislativa na área deve verificar o que está quebrado e o que é passível de consertar. Digo isso porque em geral as ferramentas de conserto que temos são anteriores ao mundo digital e não levam em conta algumas características da internet.", alertou Demi Getschko em vão.
No ano passado, o Código Eleitoral ganhou uma redação que supostamente criminaliza "fake news", mas é um desafio à lógica.
"Divulgar (....) fatos que sabemos inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado" é crime eleitoral."
Parece claro mas não é. Ou são fatos ou são inverídicos. Dizer que algo é opinião seria um passe livre para inverdades? Como provar que a pessoa sabia da inverdade? Por último, como comprovar a influência sobre o eleitorado?
É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade. A frase excelente não é minha. Um leitor lembrou da propaganda em parceria entre a Folha de São Paulo e a W/Brasil em 1987. Vem da era analógica a definição mais precisa sobre desinformação.
"Este homem pegou uma nação destruída. Recuperou sua economia e devolveu o orgulho a seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de 6 milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiperinflação a, no máximo, 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura. E quando jovem imaginava seguir a carreira artística", diz a narração.
Neste momento fica nítida a imagem do homem de quem se fala. É Adolf Hitler. O narrador diz a frase que precisamos transformar em mantra: "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade".
Um dos maiores talentos e prazeres do cérebro humano é enxergar padrões. Enxergamos até onde não existem. Escolher quais fatos divulgar e quais omitir é um instrumento poderosíssimo de desinformação.
Agora a bola está com o TSE. Resta saber se teremos mais do mesmo ou se haverá recursos e vontade para enfrentar a crise de confiança na imprensa e nas instituições.
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