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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro e uma ideia muito louca de família

Bolsonaro fala com família de petista assassinado em Foz do Iguaçu - Reprodução
Bolsonaro fala com família de petista assassinado em Foz do Iguaçu Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

14/07/2022 04h00

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Para quem não vive mergulhado nas redes bolsonaristas, parece bizarra - porque é - a ligação do presidente Jair Bolsonaro aos irmãos do militante petista Marcelo de Arruda, assassinado na própria festa de aniversário de 50 anos.

Dentro dessas redes, ela fará sentido porque será mais uma peça de um quebra-cabeças de desinformação que pinga diariamente desde que tivemos a notícia do crime.

É um ecossistema em que as notícias da imprensa que circularam não falam em um assassinato, mas em uma "briga" ou em uma "troca de tiros". Nem só de mentiras se faz a desinformação.

Houve sim uma briga e também houve uma troca de tiros. Ocorre que o militante bolsonarista foi até a festa de aniversário provocar a briga e não atirou no calor da discussão.

Marcelo de Arruda realmente pegou umas pedras do canteiro e jogou no carro dele, ele mostrou a arma. Mas nesse momento, foi embora. Voltou depois, já atirando.

Pamela Silva tentou dissuadir Jorge Guaranho da agressão nesse primeiro momento. Corajosa, tentou impedir que ele entrasse na festa bem depois, quando retornou ao local sem que saibamos o motivo.

Ele nem conversou, saiu atirando e assassinou Marcelo de Arruda. Já caído, ele desferiu os tiros em legítima defesa, atingindo o atirador.

Ainda que tenham existido uma briga e uma troca de tiros, não são descrições precisas da situação. O contexto é de um assassinato em que houve também outros fatos.

Nos grupos de Whatsapp e Telegram também há distribuição de um áudio com a voz de uma mulher. Falsamente se diz que seria a mulher de Jorge Guaranho.

O áudio diz que ela seria convidada da festa por ser amiga de Pamela Silva e a discordância inicial seria porque o marido não havia sido convidado. É mentira, mas isso se soma a outros conteúdos.

O pedido da defesa do assassino para que seja feito exame do nível alcoólico da vítima é distribuído. Permeando as notícias, longos textos afirmando que a Nova Ordem Mundial e os comunistas querem transformar o Brasil em Cuba ou Venezuela.

A imprensa seria um braço ideológico desse movimento. Uma filmagem de Bolsonaro dizendo que apresentará a 50 embaixadores provas de fraude nas urnas nas eleições de 2014 e 2018 é compartilhada de maneira frenética.

Nesse contexto, a conversa do presidente com irmãos bolsonaristas da vítima é o desfecho. Até a própria família reconheceria que a imprensa quis implicar o presidente no assassinato com intenções malignas, dizem os teóricos da conspiração.

É muito desconfortável enfrentar a realidade diante de um episódio violento como este. O que nós, como sociedade, nos tornamos? Um pai de família resolve entrar na festa de aniversário de outro atirando por fanatismo político.

Ligar os pontos fornecidos incessantemente nos grupos faz com que as pessoas saiam desse estado de perplexidade e incômodo para um estado de resolutividade, alívio e empolgação.

Elas finalmente sabem o que aconteceu e são uma elite privilegiada por saber o que a imprensa esconde. Para os demais, a maioria dos brasileiros, a atitude do presidente é inexplicável.

Não parece correta para quem se diz defensor da família, a tentativa de dividir uma família enlutada acirrando ainda mais a questão política que deu origem à tragédia.

Falar apenas com os irmãos bolsonaristas já é um erro. Não dizer uma palavra de condolências para a viúva e para os quatro órfãos chega a ser inexplicável. Jair Bolsonaro é um político, empatia com órfãos e viúvas é o mínimo da profissão que o sustenta há décadas.

O bolsonarismo é um fenômeno político que surge a reboque das guerras culturais turbinadas por redes sociais. Nelas, a lógica é fazer com que as pessoas se imaginem parte de um grupo criado artificialmente e quebrem os laços com aqueles que realmente são próximos.

A identidade social do bolsonarismo seria, nessa lógica, suficiente para que irmãos rompessem com a cunhada e os sobrinhos órfãos no dia do enterro. Neste caso, felizmente não foi.