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Bolsonaro marca golaço ao fazer a imprensa comparar Flow a jornalismo
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"O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento", disse Daniel Boorstin, diretor da biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em seu visionário livro The Image, de 1962.
Há 60 anos, ele relatava a substituição do noticiário por não-fatos, na época as entrevistas coletivas à imprensa. Eram uma forma de fazer com que o interesse público deixasse de ser a espinha dorsal do noticiário.
Os jornais publicavam então várias edições diárias. Como necessariamente deslocariam equipes para as entrevistas coletivas e tinham um espaço a preencher, o tema estaria lá, fosse ou não o mais interessante para o público.
Por ser, durante muitos anos, subestimado e ridicularizado pelos políticos e jornalistas do mainstream, Jair Bolsonaro saiu na frente no aprendizado das novas mídias.
A presença no podcast Flow foi um golaço. Pouco importa o que ele falou, mas o contexto de fã-clube que promoveu e a conquista inestimável de fazer jornalistas profissionais compararem a jornalismo algo que não é.
O bolsonarismo como fenômeno político é altamente intolerante com qualquer dissonância ou crítica dentro do núcleo de poder. Corta sem dó nem piedade até os aliados antes ditos imprescindíveis.
Mas, entre as paquitas do bolsonarismo, existem o messianismo e uma espécie de consciência da missão de conversão. Bolsonaristas querem converter os demais, agregar, algo que Michelle Bolsonaro vai deixar cada vez mais presente.
Lula e Bolsonaro são populistas extremamente diferentes. Suas paquitas são iguais na virulência verbal, na dissociação da realidade e no fanatismo cego. Diferem, no entanto, em um ponto crucial: bolsonaristas querem conversões, lulistas querem um camarote.
O lulismo do século XXI agregou uma militância que não é política, é a do chamado "rainbow capitalism", uma salada de clichês importados dos Estados Unidos em que corporações sequestram pautas sociais.
É gente adulta que acredita, por exemplo, que combate racismo ou machismo promovendo diversidade num filme de propaganda de banco brasileiro. Qual a chance disso dar certo na política? Pois é.
A lógica desse pensamento é sobretudo excludente. Para fazer parte do grupo virtuoso, é necessário "se educar".
Já a lógica do bolsonarismo é a de incentivar que qualquer um, educado ou não - aliás, de preferência mal educado - promova ações pelo presidente. Ele vai interagir com grupos e líderes, como se fosse um pop star ou influencer.
Alguns acabaram virando pessoas poderosas no governo. Outros estão ricos criando canais de YouTube e sites que mimetizam a estética utilizada por veículos jornalísticos para fazer propaganda de Jair Bolsonaro.
Eu gosto do Flow, do Igor, fui a vários podcasts da casa. É preciso entender a diferença entre esse tipo novo de comunicação, o método jornalístico e o "shownalismo" que se instalou em veículos tradicionais.
Jair Bolsonaro não deu uma "entrevista" no Flow. Igor não foi treinado para confrontar uma autoridade nem se propõe a isso. Não se pode comparar esse trabalho a um produto jornalístico porque não é.
O presidente esteve num podcast pelo mesmo motivo que outros políticos vão e pelo mesmo motivo que eu frequento podcasts: divulgar minhas ideias para o público desses influencers e unir fan bases.
Não é jornalismo, não há confronto nem escrutínio e é essa mesmo a proposta, outra área de negócios. Para Jair Bolsonaro, é um golaço que essa ação seja comparada a um evento jornalístico.
Muita gente ainda diz que fake news são notícias falsas. Em The Science of Fake News, de 2018, há uma definição de que eu gosto bastante: "informação fabricada que mimetiza conteúdo jornalístico na forma mas não no processo organizacional ou intenção".
Diante das cinco horas de fala do presidente da República, parece um detalhe o deslize de comparar o Flow a um programa jornalístico. Detalhes fazem toda a diferença. Nesse caso, um golaço para Bolsonaro.
- Assista à íntegra da Live UOL com Madeleine Lacsko e Felipe Moura Brasil:
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