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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O eleitor aceita a versão "café com leite" de Lula e Bolsonaro?

Colunista do UOL

29/08/2022 11h51

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Vimos um debate presidencial histórico, talvez o primeiro em que dois debates ocorreram ao mesmo tempo. Simone Tebet, Ciro Gomes e até Felipe D'Ávila e Soraya Thronicke fizeram um debate presidencial.

Lula e Bolsonaro, os líderes da corrida, fizeram um debate sobre os próprios umbigos. Fora autoelogios, fake news, bravatas e condenações morais do outro, não tinham nada a oferecer.

É sintomático que sejam justamente essas as candidaturas à frente na corrida presidencial, as que deixaram bem claro não ter o que oferecer além do próprio ego.

Jair Bolsonaro, que nunca teve muita familiaridade com debates, perdeu ali toda e qualquer chance de acenar para o público feminino.

As reações diante da jornalista Vera Magalhães e de Simone Tebet são conhecidíssimas do público feminino. É o esquentadinho metido a machão que, diante de qualquer questionamento, sobe nas tamancas para tentar mostrar à interlocutora que ela é "apenas uma mulher".

O presidente da República, com essa atitude, mete um carimbo de covarde e fracote na própria testa. Homem que tem autoridade é firme e constante. Nervosinho é sinônimo de fraco, o que se sente acuado por mulher, tudo o que Jair Bolsonaro não queria deixar transparecer.

Simone Tebet pisou nos calos certos e conseguiu que o presidente passasse recibo do seu despreparo e agressividade todas as vezes. Ela brilhou no contraponto.

Lula definitivamente se transformou na versão gourmet de si próprio, que descrevi numa coluna recente comentando sua ida ao Jornal Nacional.

Ali foi incensado mas, para mim, havia um ponto muito preocupante e que ontem transbordou: o ex-presidente não está mais acostumado a ser questionado por divergentes.

Cercado de bajuladores, Lula é um gigante. Confrontado, reage como uma versão "café com leite" de si próprio, apequenado e autorreferente.

Para quem pretendia ser a candidatura oposta ao bolsonarismo, acabou ficando no mesmo degrau. Os outros candidatos é que ficaram um degrau acima no debate.

Até fake news Lula usou sem o menor pudor, sabendo que a condescendência com sua figura não lhe renderá esse rótulo tão fácil.

Chega a ser desconcertante olhar Lula dizendo com todas as letras que Ciro Gomes "foi para Paris" no segundo turno de 2018, uma das fake news mais prósperas do petismo após João Santana.

Ele votou em Fernando Haddad e teve ampla cobertura de imprensa. Fez campanha para o candidato do PT. Combinou com o partido que ficaria ausente do debate público pelos embates do primeiro turno.

Foi o petismo quem inventou essa fake news, reproduzida hoje até por jornalistas. Eu mesma outro dia percebi que não lembrava da cena de Ciro Gomes votando em Haddad. Tive de rever.

Lula nunca agradeceu Ciro Gomes pelo gesto, feito mesmo depois que o PT puxou o tapete da candidatura dele para embarcar na aventura louca que resultaria com a eleição de Bolsonaro.

Aliás, também jamais agradeceu Marina Silva por publicamente apoiar Fernando Haddad mesmo depois que o PT moeu sua reputação com uma campanha suja de fake news.

O desprezo com antigos aliados mostra que Lula se considera acima deles. O foco exclusivo na própria persona e nos próprios problemas ao debater o Brasil pode dar ao eleitor a impressão de que ele também será tratado como os aliados do PT, descartados como uma fralda suja sem a menor cerimônia.

Não há dúvidas de que principalmente Simone Tebet mas também Ciro Gomes aproveitaram ao máximo cada segundo de exposição. A compostura e a fala direcionada sempre a questões do povo contrastaram com o embate de egos entre Lula e Bolsonaro.

Talvez essa seja a nova polarização, entre a eleição e a guerra santa, entre a eleição e a briga de torcidas. Aliás, teve mesmo briga de torcidas, num nível de quinta série C, envolvendo o Carluxo de Lula e um ex-BBB bolsonarista.

As duas candidaturas mais fortes, impulsionadas pela mais fina flor do populismo, derreteram ontem diante da vida real. O Lula e o Bolsonaro defendidos com emoção por suas paquitas não estavam lá.

Vimos uma versão "café com leite" dos dois. Resta saber se o eleitor continuará empolgado assim mesmo.