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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro dá tiro no pé ao levar a católicos Evangelho segundo Tarantino

Sergio Von Helder era bispo da Igreja Universal e chutou imagem de Nossa Senhora Aparecida na Record - Reprodução/YouTube
Sergio Von Helder era bispo da Igreja Universal e chutou imagem de Nossa Senhora Aparecida na Record Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

13/10/2022 14h32

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A tentativa de levar o Evangelho segundo Tarantino à Basílica de Aparecida fez mais estrago na campanha de Jair Bolsonaro que todas as fake news do janonismo e dos Che Guevara de apartamento.

Depois da fala da senadora eleita Damares Alves sobre abuso sexual infantil na Assembleia de Deus, a competição de bizarrices em culto religioso definitivamente foi para outro patamar. Michelle Bolsonaro fazendo comício na Igreja Batista da Lagoinha já virou fichinha.

Quem já assistiu um culto do ex-bruxo Tio Chico, que hoje é pastor na Igreja Batista Pedra Viva, definitivamente não se surpreende nem com a Damares.

Ocorre que existe uma diferença fundamental entre o universo católico e o evangélico: a hierarquia. Sobre ela se ergue uma tradição milenar que faz dos rituais católicos algo além da religião e da fé, uma parte do nosso imaginário cultural e afetivo.

Você pode colocar 30 Damares falando detalhes de abuso sexual com crianças em cada culto do Brasil. Não terá o efeito devastador de uma multidão entrar com cerveja na Basílica de Aparecida para vaiar a homilia e aplaudir político. Isso é Chernobyl.

Ontem, por outra razão, eu falava com um amigo da realidade da hierarquia na Igreja Católica, sobretudo entre os religiosos. E também da profundidade do conceito de submissão, algo diferente de ser submisso a outra pessoa.

A visão de mundo Católica Apostólica Romana é fundada em uma hierarquia rígida, de ordem e rituais sagrados que jamais são alterados por razões do mundo. Você nem pensa em mudar uma missa por causa de um político. Nem por causa de um imperador. O ritual religioso muda por razões religiosas. Um batizado é diferente de uma canonização, por exemplo.

É algo para grandes estruturas, o que não ocorre com a maioria das igrejas evangélicas. Mesmo as denominações mais tradicionais, como os Batistas e Presbiterianos, por exemplo, não têm uma hierarquia clara e efetiva como os católicos.

Muitas das grandes igrejas brasileiras são independentes. Um pastor pode fundar sua própria igreja e o único requisito religioso para isso é o chamado de Deus. Abrir o CNPJ da igreja e fazer com que ela seja assim reconhecida pela lei brasileira tem requisitos legais, não teológicos.

Dessa multiplicidade, temos diferentes tipos de cultos e não há como dizer de forma terminativa o que é permitido ou não. No final das contas, quem decide é o pastor.

Um político pode fazer campanha no meio do culto? É evidente que não, do ponto de vista do respeito à religiosidade e espiritualidade. Mas, na prática, não funciona assim. Se o pastor disser que pode, pode. A maioria da igreja ficará ao lado dele nessa e em todas as disputas entre o que ele diz e o que está na Bíblia.

A persona do pastor é, em muitos casos, imprescindível para a existência da igreja. A Igreja Católica até tem seus padres estrela, influenciadores, queridinhos de progressista gourmet e os que posam com fuzil na mão ao lado de Olavo de Carvalho. Ocorre que são minoria e a instituição não depende desse tipo de expediente para existir, vive mais da tradição que de personalismos.

A estrutura do bolsonarismo, nesse sentido, é muito parecida com a do universo evangélico. Não está inserida nas instituições tradicionais, o que é permitido ou não depende de quem faz e não há hierarquia clara. Praticamente chutaram a santa.

O mal estar não atinge só os católicos nem só os cristãos. A festa da Padroeira do Brasil é parte da nossa cultura, da nossa identidade de brasileiros. Aquela falta de respeito dentro da Basílica durante a cerimônia causa um mal estar que contamina a campanha.

Lula e Bolsonaro competem como Trump e Hillary. Não ganha o melhor, mas o menos rejeitado. Trump tinha uma rejeição fortíssima e trabalhou duro para que Hillary o superasse, o que aconteceu.

Ocorre que fazemos diferente. Em vez de aumentar a rejeição do adversário, a militância arrogante de Lula e a violenta de Bolsonaro aumentam a rejeição contra o próprio candidato. Dessa vez, os bolsonaristas se superaram.