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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quanto as redes sociais lucraram com as postagens dos golpistas?

09.jan.23 - Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro caminham em direção ao Congresso Nacional, em Brasília, neste domingo   (8), durante a retomada de protestos contra o governo do presidente recém-empossado Luiz Inácio Lula da Silva.   Parte dos manifestantes estava em frente ao Quartel General do Exército, outros vieram em caravanas para a cidade - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
09.jan.23 - Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro caminham em direção ao Congresso Nacional, em Brasília, neste domingo (8), durante a retomada de protestos contra o governo do presidente recém-empossado Luiz Inácio Lula da Silva. Parte dos manifestantes estava em frente ao Quartel General do Exército, outros vieram em caravanas para a cidade Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

10/01/2023 09h30

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Redes sociais têm sido tratadas como aliadas no combate à desinformação pelas instituições brasileiras. Talvez a barbárie do último domingo mostre que esse misto de ingenuidade com comodismo saem muito caro para a população.

Nunca foi tão atual a frase "Follow the money", imortalizada pelo filme "Todos os homens do presidente", sobre o escândalo de Watergate. As redes sociais estão faturando horrores com a nossa desgraça e, pelo andar da carruagem, vão faturar ainda mais.

Empresas globais e bilionárias encontraram a chave para fazer os brasileiros de otários: dizem que vão "desmonetizar" os canais que só trazem desgraça. Quando "desmonetizam", uma multidão de gente iludida comemora como se estivesse sendo beneficiada. Na verdade, está sendo feita de idiota.

Uma reportagem interessante da Aos Fatos rastreou 47 lives feitas pelo YouTube durante a depredação das sedes dos Três Poderes. Pelo menos 23 desses canais arrecadaram dinheiro com doações ou monetização das páginas.

Como a performance desses canais é odiosa, a tendência das pessoas é ficar contente com qualquer solução que os prejudique. Não vão mais monetizar? Ótimo! Quem tomou a medida foi o próprio YouTube? Temos um novo herói nacional.

É evidente que ninguém deve faturar com esse tipo de conteúdo, não deve ser monetizado. Minha questão é outra: por que o influencer não pode ganhar dinheiro com isso mas as redes sociais podem? Simples, porque nós deixamos.

A Advocacia Geral da União repetiu um erro fundamental que virou praxe entre as nossas autoridades. Pediu a desmonetização dos canais e só. Nada além disso. Aparentemente não há nenhuma cobrança para que se peça nada além disso.

Isso significa que seremos reféns de quem fatura alto com a nossa desgraça enquanto batemos palma para o sacrifício de meia dúzia de peixes pequenos. Toda iniciativa que só desmonetiza o produtor de conteúdo é picaretagem para eternizar um sistema perverso.

Essas iniciativas fazem sucesso porque exploram o "schadenfreude", um dos sentimentos mais mobilizadores da alma humana. Ficamos felizes quando alguém que julgamos merecer um castigo se dá mal. Ao se colocar como algoz dos produtores perversos de conteúdo, toda Big Tech se safa ilesa com os próprios malfeitos.

O mecanismo é eficiente porque nós temos a ilusão de que sabemos como funcionam as redes. Postamos, usamos o tempo todo, portanto sabemos. Muita gente adulta realmente acredita que as plataformas não têm nenhuma relação com o conteúdo, são os produtores os responsáveis pela postagem e alcance. Nada mais falso. O negócio das redes sociais é a intermediação entre o conteúdo produzido e quem o assiste.

Experimente fazer uma transmissão em qualquer rede social usando uma música protegida por direitos autorais. O mais provável é que seja derrubada imediatamente. A monetização, se tiver ocorrido, será redirecionada ao dono dos direitos autorais. Não precisará nem de denúncia, o próprio algoritmo rastreia e toma atitudes automaticamente.

E por que não caíram automaticamente nem os convites nem as transmissões da vandalização dos prédios dos Três Poderes? Porque Youtube, Facebook, Instagram e Twitter optaram por lucrar com esse conteúdo em vez de derrubar. Simples assim.

Hoje, 70% dos vídeos vistos no YouTube não são buscados, são "sugeridos" pelo algoritmo. Ninguém sabe qual o critério. O Google diz ser o melhor para o usuário. O "follow the money" diz ser o que mantém a pessoa mais tempo usando a plataforma.

Uma das lives monetizadas dos depredadores chegou a 300 mil visualizações. Quantas foram naturais e quantas foram "sugeridas" pelo próprio YouTube? Não sabemos, ninguém perguntou a eles.

Um relatório de 2021 do Center for Countering Digital Hate fez as contas de quanto faturaram os produtores de conteúdo antivacina na pandemia nos Estados Unidos. Quase todo o conteúdo era produzido por 12 canais que, juntos, faturaram US$ 36 milhões.

Quanto as redes sociais faturaram com os seguidores desses canais? Segundo a conta feita pelo CCDH, cerca de US$ 1,1 bilhão. É necessário frisar que a maioria das pessoas chega a esses conteúdos por "sugestão" das próprias redes sociais.

Passou da hora de chamar essas empresas à responsabilidade, como já é feito no mundo civilizado. Precisamos saber quanto se fatura no Brasil promovendo esse espetáculo dantesco de desinformação e dissonância cognitiva.