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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em São Sebastião, mais mortes evitáveis numa tragédia anunciada

São Sebastião registrou alagamentos e deslizamentos  - Divulgação/Prefeitura de São Sebastião
São Sebastião registrou alagamentos e deslizamentos Imagem: Divulgação/Prefeitura de São Sebastião

Colunista do UOL

20/02/2023 14h51

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Quanto vale a vida de um brasileiro? Quase nada, como vimos na tragédia mais que anunciada em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. O improviso no trato da coisa pública é um método de ação.

Agora, o presidente, o governador e o prefeito da vez foram ao local, o que não é nada mais que a obrigação dos três. Nossa eterna celebração do menos pior nos leva a comemorar isso. Como Jair Bolsonaro desceu o sarrafo do trato com a coisa pública ao subsolo, o cumprimento de uma obrigação protocolar vira motivo de elogio.

É revelador que a nossa política dê mais importância a isso do que ao desleixo de décadas que culminou, de novo, em mais mortes evitáveis de brasileiros.

Vivemos hipnotizados por políticos e redes sociais a ponto de tornar a política o centro do caso onde vidas humanas foram perdidas por descaso dos políticos. Não é sobre Lula, Bolsonaro, Tarcísio e companhia. É sobre as vítimas de anos de descaso.

Bolsonaro não interrompeu seu feriado para visitar vítimas. Lula interrompeu, não fazendo mais que a obrigação. Resta saber se as prioridades vão mudar.

Bolsonaro cortava verbas de prevenção a desastres naturais e Lula não. Mas essas verbas são insignificantes perto do que Arthur Lira tem para distribuir a deputados via emendas.

Em 3 de agosto de 1998, o jornal Folha de S. Paulo trouxe uma reportagem de Marcelo Pedroso com a manchete "Ocupação desordenada ameaça litoral". Falava exatamente sobre a região que vive a tragédia agora.

"Os principais motivos da degradação, segundo especialistas, são ocupação desordenada de terras, superpopulação na temporada, depósitos irregulares de lixo, contaminação dos lençóis freáticos e praias e pesca predatória. As quatro cidades -São Sebastião, Ubatuba, Ilhabela e Caraguá- já contam com pelo menos 1.450 moradias em pontos de risco, áreas verdes e de preservação." diz o texto de 25 anos atrás.

Não imagino quantas emendas parlamentares foram distribuídas para contemplar a região, mas não resolveram um problema que ameaçava a existência do lugar e a vida dos moradores.

Em 8 de outubro de 2015, Rogério Pupo fez uma reportagem para o Estadão sobre os riscos da área mais afetada agora, a de Barra do Sahy. Trazia o resultado de um estudo do Instituto de Conservação Costeira, apontando que as ocupações irregulares no local haviam aumentado 62% nos quatro anos anteriores.

São Sebastião tem 82% do território protegido por lei, da forma que nos dizem ser efetiva, a criação de áreas de preservação. No caso, é o Parque Estadual da Serra do Mar. Leis são inócuas quando não se cuida da dinâmica social.

"Gente de alto poder aquisitivo se instalou e precisou cada vez mais dos serviços prestados por quem se dependura nas encostas da Serra do Mar. O litoral norte é um terreno fértil para ocupações desordenadas. Em 48 horas um invasor desmata, constrói um barraco, coloca uma criança de colo dentro. A partir daí fica complicado retirar. Loteador clandestino, que para mim é a raiz do problema, tem de ir para a cadeia", disse em 2015 o então secretário de meio ambiente do município, Eduardo Hipolito do Rego.

O loteador de quem ele fala não é o invasor, é o oportunista que ganha dinheiro organizando loteamentos ilegais e vendendo para gente pobre que presta serviços à elite local.

Agora os políticos da vez dão desculpas, prestam solidariedade, liberam verbas emergenciais que não vão ser suficientes para reconstruir a cidade. Resta saber se as mudanças e investimentos necessários serão finalmente feitos ou se essa tragédia será mais uma esquecida por quem não foi diretamente atingido por ela.