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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Judiciário derruba Deltan Dallagnol e Léo Lins no mesmo dia

Leo Lins - Reprodução/Instagram
Leo Lins Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

17/05/2023 10h56Atualizada em 17/05/2023 22h05

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No mesmo dia, o Judiciário brasileiro tomou duas decisões: cassar o mandato de Deltan Dallagnol e mandar o humorista Léo Lins tirar seu show da internet, além de delimitar o que ele pode dizer nos próximos shows. Os dois casos são difíceis de explicar à população e vão reforçar a narrativa política de agigantamento e ativismo do Poder Judiciário.

Comecemos pelo deputado. Ouvi diversos juristas sobre o tema e não há consenso sobre a decisão. O TSE argumenta que Deltan burlou a Lei da Ficha Limpa porque pediu exoneração para evitar expulsão por processo administrativo, como havia acabado de acontecer com um procurador colega dele na Lava Jato. Caso ocorresse, ele se tornaria inelegível.

Os críticos da decisão argumentam que não havia processo administrativo em andamento e, no rol do que foi analisado, tem até processo encerrado. O que havia eram procedimentos numa fase burocrática anterior à que está escrita na Lei da Ficha Limpa. Também dizem que cassar o voto popular deve ser a absoluta exceção e não a regra. Essa questão será agora decidida pelo STF.

Difícil será explicar essa decisão para a população. A linguagem jurídica é complexa e o caso envolve uma série de situações e procedimentos com os quais a maioria das pessoas não tem familiaridade. Inevitável que o cidadão comum avalie o caso por comparação com outros, adicionando o tempero do debate político.

Deltan Dallagnol foi a grande estrela da Lava Jato e autor do powerpoint mais famoso do Brasil, pelo qual Lula pediu e não levou uma indenização milionária — a condenação foi para o ex-procurador pagar R$ 75 mil. Em 2016, viralizou a gravação de Romero Jucá propondo um grande pacto nacional para acabar com a Lava Jato. Durante todo o seu mandato, Jair Bolsonaro escolheu o STF para Cristo, demonizando a atuação do Judiciário. Mês passado, o presidente Lula disse que queria se vingar de Moro. Toda eleição tem parlamentar tomando posse dentro da cadeia ou de tornozeleira eletrônica. Acusados de corrupção há anos continuam à frente de seus mandatos.

Esses são fatos fáceis de compreender e, por isso, a tendência é que o cidadão comum os use para entender o que se passou com Deltan Dallagnol, desprezando a explicação jurídica chata e inacessível.

O caso de Léo Lins esbarra novamente na questão dos limites da arte. Repete a situação em que alguém se sente ofendido com algo feito em um palco ou filme e quer tirar do ar. No caso, foi o Ministério Público do Estado de São Paulo.

Aqui não se trata de gostar ou não do humorista nem de aprovar ou não cada piada. A questão é o tipo de interferência. A pretensão e a ação são exatamente as mesmas de grupos religiosos que todo ano tentam tirar do ar o Especial de Natal do Porta dos Fundos porque se sentem ofendidos. Algumas vezes conseguem, infelizmente.

Essa decisão é peculiar porque vai além, restringindo o conteúdo dos próximos shows: "Proibição de realizar, em suas apresentações, quaisquer comentários, bem como de divulgar, transmitir ou distribuir, quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia,
religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável", diz a sentença.

Por mais que pareça bem intencionada, a tese proibiria o Porta dos Fundos de fazer seu especial de Natal nos moldes tradicionais. Tem a mesma visão de mundo dos nossos religiosos mais conservadores.

A arte, seja como tragédia ou comédia, pode ser limitada e proibida? Por quem? É função do Ministério Público fiscalizar o conteúdo de shows de humor, teatro, cinema, literatura, funk e sexo explícito, por exemplo?

O Brasil é um dos países do mundo com mais processos judiciais. No Congresso, virou moda recorrer ao STF quando se perde no plenário. Na vida cotidiana, judicializamos tudo, ultimamente até piada. Criamos com a Justiça uma situação semelhante a pedir ajuda da sogra. Só funciona em piada.