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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A "fuga" de Deltan e a oportunidade de ser melhor que a tia do zap

20.mar.2015 - O ex-procurador da República Deltan Dallagnol durante evento no Auditório do Conselho Superior do Ministério Público Federal, em Brasília. - ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
20.mar.2015 - O ex-procurador da República Deltan Dallagnol durante evento no Auditório do Conselho Superior do Ministério Público Federal, em Brasília. Imagem: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Colunista do UOL

20/06/2023 17h49

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A imprensa brasileira está diante de uma oportunidade de ouro: mostrar que é melhor e mais confiável que as tias do zap e os blogueiros amigos. Há expertise para isso e também demanda. O desafio é como lidar com tsunamis das redes sociais do tipo "fuga do Deltan". Estive pessoalmente com ele ontem e hoje no Acton University 2023. Não fugiu nem de mim.

O ex-deputado postou uma foto em frente ao portão de embarque do aeroporto. Seus desafetos mais emotivos reagiram esperneando em rede social. Disseram que ele estaria fugindo do país. Isso se torna um hit na dinâmica das redes.

Havia algumas falhas lógicas na argumentação. Estaríamos diante do primeiro fugitivo que posta foto da fuga antes de conseguir fugir e com a informação do destino? De que o ex-deputado estaria fugindo? Se estamos em uma democracia, como eu acredito, ele não tem do que fugir. Quem acredita que ele precisa fugir talvez acredite em algum tipo de vingança ou perseguição pessoal.

Os primeiros a levantar a questão da fuga acusam formalmente o ex-deputado pela atuação dele na Lava Jato. O carnaval feito nas redes após olhar uma foto do Insta faz imaginar se as demais acusações têm o mesmo tipo de embasamento ou não. Só o tempo dirá.

O grande problema é que isso acaba chegando ao noticiário com toda a rapidez a que somos forçados na era das redes sociais. E as notícias dos veículos jornalísticos são esteticamente mimetizadas por blogueiros amigos, a ponto de fãs de políticos realmente confundirem a natureza das duas coisas. Vira um frenesi em que a primeira vítima é a verdade e a segunda é o debate público.

Mesmo quem lida com a notícia de forma responsável acaba refém. Se a história é um hit nas redes, precisa virar notícia. Isso substitui muitas vezes a lógica do interesse público e é um fenômeno antigo. Daniel Boorstin registra em seu livro "The Image", de 1962, a de prioridades diante do surgimento das primeiras entrevistas coletivas à imprensa. Elas automaticamente eram notícia, mesmo que o tema em si, sem o evento, não fosse considerado digno de nota pelos jornalistas.

Deltan Dallagnol participa de um evento promovido pelo Acton Institute anualmente, reunindo mil lideranças públicas de mais de 80 países em Grand Rapids, no Michigan. A delegação brasileira é a segunda maior depois da norte-americana, com 56 participantes. Eu participo pela terceira vez, sendo a primeira presencial. Ele esteve antes na de 2019, como palestrante.

As discussões são centradas no tema da liberdade econômica e o lema do Acton Institute é "conectando boas intenções com fundamentos econômicos sólidos". Por isso, também há debates e aulas sobre cultura, filosofia e teologia de diversos credos.

Uma amiga fascinada com as notícias da "fuga" me perguntou se era um congresso "cristão", algo como um retiro de casais ou acampamento de igreja. Ela jurava de pés juntos que leu por aí no noticiário. Eu duvido, acho que é coisa da cabeça dela, toda metida a tia do zap.

Afirmar o que ela disse depende de dois fatores. O primeiro é o preconceito elitista que imagina todo cristão como fundamentalista. O segundo é ignorar as atividades do Acton Institute, um dos think tanks mais presentes no debate público internacional sobre liberdade econômica. Minha amiga é querida, mas cometeria esses erros tranquilamente em nome da fofoca. Jornalistas profissionais não.

Eu, que sou católica, encontrei muitos padres e freiras aqui, principalmente do continente africano. Também há pastores de diversos ramos evangélicos. E há, por exemplo, uma celebração muçulmana diária, às 7h15, lotado. Entre os palestrantes, há gente especializada em cultura e religião judaica. Na plateia, há hinduístas e muçulmanos tradicionais dialogando entre si. Claro que os ateus também estão presentes. É um ambiente multicultural de debate público, não um puxadinho das tretas dessa turma que gostaria de uma cura crente.

No meio desse tsunami informacional, a imprensa tem uma grande oportunidade, a de mostrar como é melhor e mais confiável que os blogueiros amigos e as tias do zap. Eles podem ser reis nas redes por enquanto. Mas arrisco dizer que a maioria do público prefere conteúdos confiáveis e distantes de polarização tóxica, treta, torcida de político, demonização de adversários e cancelamentos.