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Maria Carolina Trevisan

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Para apoiadores, comoção por saúde de Bolsonaro é moeda por popularidade

12.jul.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), durante entrevista coletiva em Brasília (DF) - Adriano Machado/Reuters
12.jul.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), durante entrevista coletiva em Brasília (DF) Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

14/07/2021 19h44Atualizada em 14/07/2021 23h11

Quando chefes de Estado são hospitalizados, é comum que recuperem parte da popularidade. Aconteceu recentemente com Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico, que foi internado em estado grave com covid-19 em abril de 2020. Em menos de um mês, sua aprovação passou de 46% para 66%. A desaprovação despencou 16 pontos percentuais. Dois meses depois, porém, esse gráfico voltou a se inverter: hoje, Johnson tem avaliação negativa de 54% e positiva de 39%, segundo a pesquisa do YouGov.

Um fenômeno parecido pode acontecer com Jair Bolsonaro (sem partido), internado nesta quarta (14) para tratar de uma obstrução no intestino após enfrentar mais de uma semana com soluços persistentes. O presidente do Brasil vivencia, neste momento, uma reprovação recorde de 51%, segundo o Datafolha, no pior momento de seu governo.

Nas redes sociais, começou um vale-tudo como estratégia política. O perfil oficial de Jair Bolsonaro exibiu uma foto dele acamado no hospital, de vestimentas hospitalares, acompanhado de um religioso (ao que parece). A imagem remete às fotos do atentado a faca que ele sofreu na campanha de 2018.

Um texto postado pouco antes na mesma conta tenta recriar o discurso de que um filiado do PSOL, que seria o "braço esquerdo do PT", tentou assassinar Bolsonaro. O relatório da Polícia Federal que investigou o caso já provou que Adélio Bispo não cometeu o crime a mando de alguém e o considerou inimputável. Além disso, o PSOL é um partido criado em 2005 e não é um "braço" do PT.

O apelo, portanto, não deve colar para parte do eleitorado que se arrependeu do voto e está convicto de não confiar no atual presidente. Outra estratégia que tenta alavancar a popularidade por meio da compaixão com a saúde do presidente é evocar Deus.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) pediu orações, o próprio perfil do presidente Bolsonaro disse que Deus teria lhe dado uma "nova oportunidade". O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o Brasil está em oração pelo presidente, acompanhado do ministro da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, que disse estar orando por Bolsonaro.

Estive agora há pouco com o nosso PR @jairbolsonaro. Ele passa bem e logo estará de volta para continuar cuidando de todos nós, brasileiros. Força, presidente! Estamos ao seu lado. O Brasil está em oração para que se recupere logo. pic.twitter.com/0wdrSMDyUC

-- Marcelo Queiroga (@mqueiroga2) July 14, 2021

O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), em entrevista à Joven Pan, afirmou que não há gravidade na condição de saúde de Bolsonaro e disse que o pai vem trabalhando de maneira exaustiva. "A vida é muito sacrificante para quem quer fazer a coisa certa como o presidente Bolsonaro e ao mesmo tempo é bastante gratificante pegar o Brasil, muito ruim como estava, o Brasil está melhorando em todos os aspectos, a economia, a vacinação em massa", afirmou.

A internação do presidente Jair Bolsonaro naturalmente encobre a repercussão do andamento da CPI da Covid, que tem apresentado evidências de negligência, omissão e corrupção na gestão da pandemia por parte do governo federal. Esses indicativos têm tido impacto importante na popularidade do presidente.

Sua saúde é de interesse público e deve ter espaço no noticiário.

Por outro lado, os eleitores são solidários e se compadecem da dor do líder da nação. Não é à toa que o nome de Tancredo Neves chegou a figurar nas redes sociais. Ele foi internado um dia antes de tomar posse em um país ávido pela democracia depois de 21 anos de ditadura, em 14 de março de 1985.

Mas essa consternação não deve ter força suficiente para apagar as consequências da péssima gestão da pandemia, dos indícios de corrupção na compra de vacina, que levaram ao atraso na vacinação em massa e a mais mortes. Foi uma escolha de Jair. São 537 mil mortos.