Natália Portinari

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Reportagem

Investigação aponta fraudes e desvios nos convênios do Sebrae Nacional

Uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou indícios de fraudes, superfaturamento e desvios nos convênios do Sebrae Nacional (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), uma das organizações do Sistema S.

Com base nessa apuração, a CGU recomendou a abertura de um processo administrativo disciplinar no Sebrae e que as entidades beneficiadas indevidamente restituam o prejuízo que causaram aos cofres públicos.

O Sistema S é um conjunto de instituições corporativas para treinamento profissional, pesquisa e assistência técnica e social, financiadas por uma contribuição fiscal obrigatória das empresas de cada setor. Por isso, a fiscalização desses gastos, que são equiparáveis a despesas públicas, fica sob competência da CGU.

Procurado, o Sebrae disse ao UOL que tem uma sindicância em andamento para apurar eventuais irregularidades na execução dos convênios firmados entre 2019 e 2020 — que ocorreram na gestão anterior. "A atual gestão do Sebrae atua em conformidade com as diretrizes dos seus órgãos de controle e a legislação vigente e preza pela absoluta transparência, governança dos recursos e cumprimento da sua missão institucional."

Foram analisados três convênios de 2019, com valor total de R$ 15,3 milhões, cujo objetivo seria promover atividades para micro e pequenas empresas. O prejuízo estimado dos potenciais desvios é de pelo menos R$ 9,8 milhões.

Funcionários-fantasmas

Um dos convênios analisados foi firmado com a CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil) com a proposta de promover a inclusão digital dos empreendedores individuais e de micro e pequenas empresas.

A CGU analisou 53 contratos com 12 empresas que equivalem a cerca de R$ 7,1 milhões e descobriu que as verbas bancavam "salários" extras para funcionários da CACB, de entidades ligadas à confederação ou do próprio Sebrae, além de bancar funcionários fantasma com empregos em outras empresas.

Em 46 contratos "verificou-se que os valores eram pré-estipulados e fixos, como se fossem 'salários' mensais variando de R$ 3 mil a 25 mil (em 25 contratos esses 'salários' foram entre R$ 10 mil e R$ 25 mil)", de acordo com a investigação.

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O relatório cita uma médica veterinária que, apesar de ter outro emprego, recebia R$ 15 mil mensais do convênio, e uma cirurgiã dentista empregada pelo Sesi do Acre (mesmo estado do presidente da CACB), que recebeu, ao todo, R$ 394 mil.

As contratações potencialmente fraudulentas eram intermediadas por uma organização chamada Sociedade Civil de Profissionais Associados (Prosper).

Um dos sócios da Prosper foi contratado com um salário de R$ 18 mil mensais e a cunhada de outro sócio recebia dois salários acumulados, de R$ 8 mil e R$ 7 mil, supostamente exercendo função de auxílio administrativo.

Nas prestações de contas da CACB pelo convênio, não houve a comprovação adequada dos gastos. O relatório indica ainda que a CACB se apropriou de uma contrapartida de R$ 1,37 milhão que deveria ter pago pelo convênio. O prejuízo total estimado é de R$ 5,5 milhões.

A CACB disse, em nota, que tomou conhecimento dos fatos apurados e instituiu uma sindicância. "A atual direção da CACB, com mandato iniciado em 2022, tomou conhecimento dos questionamentos, e instituiu uma sindicância no segundo semestre de 2023, cujos trabalhos encontram-se em andamento. As conclusões serão utilizadas para a adoção das medidas necessárias, conforme o caso."

Empresas-laranjas

Outro convênio analisado foi firmado com uma entidade chamada Comicro (Confederação Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) para oferecer capacitação e consultoria a pequenos negócios.

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Segundo o relatório da CGU, foram contratadas 27 empresas para o convênio, cujos sócios tinham diversos indicativos de serem "laranjas". Alguns receberam auxílio emergencial ou Bolsa Família, ou tinham empresas em outros ramos, como motorista, caçambeiro, cobradora de ônibus ou técnico em enfermagem.

A Comicro é uma entidade nacional que reúne as federações estaduais do setor, as Femicros. Nove das empresas contratadas tinham sócios dirigentes das Femicros ou relação com elas, e uma das contratadas ficava no mesmo endereço da Femicro de Minas Gerais.

A análise também apontou fragilidade na elaboração dos preços, com um potencial superfaturamento de um site que custou R$ 205 mil para ser desenvolvido, por exemplo, e valores que eram pagos como salários aos integrantes das empresas, sem uma contrapartida de serviços prestados por elas.

Nos contratos da Comicro, há indícios de direcionamento e superfaturamento representando R$ 2,7 milhões, segundo o cálculo do órgão de controle.

Procurada, a Comicro disse ao UOL que tomou conhecimento agora da investigação e que irá apurar o assunto perante a CGU. A entidade afirmou também que a prestação de contas do convênio foi aprovada pelo Sebrae.

Outro convênio foi firmado com a Conampe (Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais) para oferecer cursos e palestras para capacitação de gestores de negócios.

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Nesse caso, a CGU constatou uso indevido das ações e dos recursos do convênio para promover e angariar clientes para a Lojampe, empresa privada do presidente da Conampe.

De 61 empresas contratadas pelo convênio, "29 empresas e/ou entidades contratadas têm alguma ligação com a Conampe e/ou com seu presidente e/ou com o Sebrae, totalizando R$ 3.109.567,00 de valores já pagos, o que equivale a 60,58% dos recursos movimentados na conta do convênio", diz o relatório da CGU.

O presidente do Conampe, inclusive, estava registrado como contador de duas das empresas contratadas. Assim como nos demais convênios, foram encontrados 21 contratos que serviam para sustentar "salários" mensais de R$ 2,5 mil a R$ 20,7 mil.

A controladoria descobriu também que o presidente da Conampe e a equipe contratada pelo convênio usaram parte dos eventos da Conampe, pagos com recursos do convênio, para promover a Lojampe e conseguir mais clientes. O prejuízo estimado do convênio com a Conampe foi de R$ 4,3 milhões.

O UOL procurou a Conampe e a Prosper, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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