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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro quer sócios no fracasso com planilha fictícia de vacinas

18.mar.21 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em live transmitida pelas redes sociais - Reprodução
18.mar.21 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em live transmitida pelas redes sociais Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/03/2021 10h52

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Irritado com o clamor público por vacinas, o capitão reformado e candidato à reeleição à Presidência da República desabafa que não tem vacina para comprar. Sem ruborizar, diz que não comprou as 100 milhões de doses da vacina da Pfizer, única com registro definitivo dado pela Anvisa, porque o Congresso não tinha autorizado. E explica, no cercadinho, à sua plateia cativa, que assim que o Congresso autorizou foi às compras.

Bolsonaro quer sócios no fracasso.

Cria comissão para "discutir", "debater", "dialogar" sobre o "plano de combate à pandemia" e tenta envolver no seu fracasso negacionista todos os poderes da República. Faz convite ao Supremo Tribunal Federal, aquele que o filho falava que podia fechar apenas com um cabo e um soldado, e quer por na mesma mesa para socializar o negacionismo.

A ideia de "pacto nacional", seja lá o que for isso, uma estapafúrdia criação do ex-presidente do STF, Dias Toffoli, que se sentava à vontade em convescotes palacianos, nega a vocação da República democrática, que é a de manter a respeitosa e constitucional distância entre os poderes, para não serem todos arrastados na volúpia ditatorial de um capitão que quer se manter na cadeira.

Não terá sido num gesto puramente de afeto ao povo brasileiro que o presidente da Câmara, Arthur Lira, apadrinhou e lutou pelo nome de uma médica independente no Ministério da Saúde. Não deve desconhecer o nobre deputado que a planilha de vacinas do general é uma peça de ficção. E também não há de desconhecer que a população brasileira quer vacina.

Mas capitão acredita na planilha fictícia da compra de 562 milhões de doses de vacina. O capitão ficou contente com os números da planilha Excel apresentada pelo quase-ex-ministro-general-almoxarife. O servil militar informou ao chefe que tem vacinas para todos os brasileiros.

O general, no seu longo ritual de despedida do cargo - ao qual desesperadamente se aferra - fala que matou a cobra. Mas não mostrou o pau. Dá uma no cravo e outra na ferradura: tem "mais vacinas contratadas do que brasileiros, mas não podemos contar com 100% das entregas, e precisamos manter algum estoque, além das vacinas que são de duas doses". Ele está dizendo que temos, pero no mucho.

O que parece estar acontecendo é que o general-almoxarife não tem contratos de compra com as fabricantes estrangeiras. Tem cartas de intenção. Foi assim, no dia 9 de março, que um constrangido Guedes, dono da lojinha de conveniência do posto Ipiranga, declarou que "praticamente um acordo está fechado", ao se referir à "compra" de 14 milhões de doses de imunizantes da Pfizer.

Na planilha do general a conta é de 13 milhões e 500 mil vacinas, até 30 de junho. Mas isso seria irrelevante, diante da ausência da apresentação dos contratos de compra das vacinas dos laboratórios estrangeiros. O que temos, e o general esconde, é que as vacinas garantidas para o país, até o final do ano, são aquelas do Instituto Butantan - a vacina chinesa do Doria - com previsão de entrega total de 130 milhões de doses e 210 milhões pela Fiocruz (que depende da matéria-prima chinesa para a produção).

Além disso, o único contrato até agora efetivamente em curso no governo federal é o da Covax, cujas primeiras doses devem chegar ao país até amanhã e que tem previsão de entrega de 42 milhões de imunizantes.

Ficam faltando 180 milhões nas contas do general.

Enquanto isso, a ameaça velada de que tem gente que quer "medida precipitada", mas que "não vai meter o pé na porta". O capitão, empurrado por Lula, que volta ao ringue na disputa eleitoral, confessa o que é de fato a sua grande preocupação: "a luta ferrenha" por 2022.

O capitão não acredita em ciência, acredita em tratamento precoce. O capitão não acredita em distanciamento social; promove aglomeração. O capitão não acredita em restrição de circulação das pessoas, mas em portas abertas para "salvar" a economia.

O STF e o Congresso aceitaram se sentar à mesa para conversar. É o que de menos se precisa nesse momento. O que é necessário é escutar e seguir a ciência. O que é preciso é coragem política para decidir e confessar os próprios erros.

Os atestados de óbito por Covid-19 estão disponíveis. Mas o capitão não acredita que tantos mortos sejam as vítimas da sua incompetência. Pessoas morrem de outras coisas, ele argumenta. Sim capitão, mas quase 300 mil já morreram pelo coronavírus, a resposta trágica da sua gestão.

O novo-quase-ministro da Saúde - cuja nomeação não se materializar é um mistério - proclama a necessidade de união do país para vencer a pandemia. Mas, para que isso aconteça é preciso ter confiança.

Onde estão os contratos de compra das vacinas da planilha?