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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aos risos, Bolsonaro desafia governadores com Exército e CPI com cloroquina

23.abr.2021 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - Isac Nóbrega / PR
23.abr.2021 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) Imagem: Isac Nóbrega / PR

Colunista do UOL

24/04/2021 14h25Atualizada em 24/04/2021 17h08

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O capitão se superou. Largado numa poltrona e exibindo-se à vontade em casa de compadre, falou o que pensa, em uma entrevista em Manaus, revelando, sem cerimônia, o que a postura corporal antecipava - pernas abertas, costas jogadas para trás, pés apoiados nos calcanhares: convocou as Forças Armadas para se opor às decisões de governadores e prefeitos que decretam medidas restritivas no combate à pandemia, "se houver o caos generalizado". Pela fome, completa.

Esperto, o ex-deputado federal por 27 anos quer criar a narrativa de que a culpa é dos outros - aliás, um bordão de covardes.

Vou ceder espaço ao capitão. Pelo inacreditável do raciocínio torto, do desentendimento proposital e pela ausência de tirocínio. E também para que seja registrado como se constrói uma narrativa truncada, de engano e desinformação, numa linguagem direta e sem compromisso com a verdade.

Nem todos devem ter paciência para localizar, no meio de uma conversa homofóbica, sem modos, o trecho que destaco. Transcrevo parte do raciocínio do ex-deputado federal, na sua fala de "estadista", na entrevista dada neste 23 de abril, em Manaus.

Provocado vassalo-entrevistador, que se tornou o porta-voz do "povo" cansado da situação (sic), aludindo de maneira velada à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que reconheceu o poder da federação brasileira, com responsabilidades concorrentes nas três esferas de poder - federal, estadual e municipal - no combate à pandemia, risca o fósforo da cantilena do capitão.

Diz o "estadista":

"Estão falando do artigo 142; ele é pela manutenção da lei e da ordem - não é para a gente intervir. O que que eu me preparo, não vou entrar em detalhes. Um caos no Brasil, tá? O que eu tenho falado. Essa política de lockdown, quarentena, de fique em casa, de toque de recolher, é um absurdo isso daí. Se tivermos problema, nós temos plano de como entrar em campo. Eu tenho falado. Eu falo o meu Exército".

E continua, na sua confusão, a convocação:

"Eu vou falar: eu sou o chefe Supremo das Forças Armadas. Eu tenho um plano. Eu tenho falado, o nosso Exército, as nossas Forças Armadas, se precisar iremos pras as ruas, não para manter o povo dentro de casa, mas restabelecer todo o Artigo 5 da Constituição. Se eu decretar isso, vai ser cumprido o meu decreto".

E reitera, sem corar:

"As nossas Forças Armadas podem ir para a rua, sim, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer cumprir o Artigo 5, direito de ir e vir. Acabar com essa covardia de toque de recolher; direito ao trabalho, liberdade religiosa, de culto. Pra cumprir tudo aquilo que está sendo descumprido por parte de alguns governadores e de alguns poucos prefeitos, mas atrapalha toda a sociedade".

E segue na deliberada cantoria desinformada - que muitos podem atribuir a um limite cognitivo, já que não faltaram explicações sobre o significado da decisão do STF. A dificuldade de entender talvez requeira que a deliberação seja acompanhada de uma ilustração.

"É um poder excessivo que lamentavelmente o Supremo Tribunal Federal delegou. Então, qualquer decreto de qualquer governador, de qualquer prefeito, leva o transtorno à sociedade. De onde vem a indignação que você falou, que está chegando a hora".

E vem de novo construindo uma realidade paralela.

"Agora, o que acontece, eu não posso extrapolar. Isso que alguns querem que a gente extrapole. Eu estou junto com os meus 23 ministros. Você pega da Damares ao Braga Netto, todos os 23, praticamente conversados sobre isso aí, o que fazer se um caos generalizado se implantar no Brasil, pela fome. Pela maneira covarde, como alguns como alguns querem impor, estão essas medidas restritivas pro povo ficar dentro de casa".

Pode não valer a pena escutar tudo o que fala o capitão. Mas, sentado na cadeira mais importante do país, é de presumir que compreenda o mínimo sobre a função e o simbolismo do seu papel.

Mas ele não se emenda e, nas barbas da CPI da Pandemia, continua prescrevendo:

"Tomei cloroquina num dia às 5 da tarde, no outro dia às 10 da manhã estava bom".

"Montão de gente tomando ivermectina".

"O mercado da vacina é bilionário. O que não falta em Brasília é lobista".

"Nós começamos a vacinar em janeiro. Alguns poucos países começaram em dezembro. Então nós estamos bem. Temos 40 milhões de doses distribuídas. Tirando os países que fabricam tudo, toda a cadeia da vacina, nós estamos em primeiro lugar".

"Vamos chegar logo à imunidade de rebanho. Aí volta à normalidade".

"Não justifica o lockdown".

E mais uma pérola: Fogo na Amazônia. "Amazônia não pega fogo, é úmida".

Então tá. Cloroquina, Amazônia preservada e Exército na rua. Então tá.