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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Perguntar a quem não aceitou convite de Bolsonaro dará respostas à tragédia

Médica cardiologista, Ludhmila Hajjar é cotada para assumir Ministério da Saúde - Reprodução/CNN
Médica cardiologista, Ludhmila Hajjar é cotada para assumir Ministério da Saúde Imagem: Reprodução/CNN

Colunista do UOL

05/05/2021 14h40Atualizada em 05/05/2021 16h17

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Ex-ministros estão sendo ouvidos pela CPI.

Além do roteiro de perguntas da CPI da Pandemia, podem ser feitas outras questões a quem não aceitou o cargo.

No dia 15 de março de 2021, a médica Ludhmila Abrahão Hajjar almoçou com o presidente da República, ao lado do então ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello e o filho do capitão, o Zero 3, Eduardo Bolsonaro, no Palácio da Alvorada. Na mesa onde estava servido peixe, macarrão e salada, o capitão deu as regras para que um novo ocupante da Pasta pudesse ter o emprego.

O capitão estabeleceu condições para que a médica assumisse o cargo. A primeira delas era que mantivesse a turma do general da ativa e que tecesse loas à gestão dele. O general estava à vontade para lembrar o que teria feito e nisso foi aplaudido pelo capitão. A razão do seu afastamento atenderia, segundo disse, a pressões políticas às quais o governo precisou ceder. Era o porta-voz delas o presidente da Câmara, Arthur Lira, patrocinador da indicação da médica para o cargo.

O general se imolou para aceitar uma "nova missão", que lhe seria dada pelo capitão. Está esperando sentado.

No dia 16 de março, quando a médica anunciou que não aceitara o convite para o emprego, o governo tratou de desmentir que houvera feito a proposta. O ministro Fábio Faria, dono da declaração, não contou que foi ele mesmo o intermediador da proposta e foi no celular dele que o capitão conversou com a doutora para anunciar a sua proposta. Também não contou que foi um avião da FAB deslocado para buscar a médica em São Paulo, para o encontro no Palácio da Alvorada.

A doutora falou publicamente da dissonância de entendimento para que se concretizasse a proposta do capitão. Ficou no ar o que especificamente colidia com o que a médica entendia como sendo uma resposta para o manejo da pandemia e o que o capitão determinava que fosse feito.

A CPI da Pandemia perguntou ao ex-ministro Luiz Mandetta, que não confrontou o capitão, negando que houvesse recebido orientações diretas dele sobre como andar. Era implícita a discordância. Era evidente o conflito de visões entre o ex-ministro e o capitão, pelo comportamento público do presidente da República.

Aparentemente houve mais palavras explícitas no almoço do dia 15 de março.

Fica para ser respondida a pergunta: qual foi o conflito de entendimento entre a médica e o capitão? O que queria ele que ela não podia atender?

A CPI da Pandemia é um espaço para que se busquem respostas e sejam apontadas responsabilidades. E o governo federal, com a sua tropa, tem uma estratégia para evitar a verdade.

A fuga é estratégia dos covardes.

A primeira linha é a fuga. Esconder o general Pazuello.

A segunda linha é o diversionismo. No primeiro dia de depoimento da CPI, Arthur Lira criou um fato político para mudar a pauta no Congresso Nacional, ao dissolver a comissão da reforma tributária. Tem dito que a CPI é inoportuna, porque fala do passado. Como se não viessem do passado as respostas para o presente e para a construção do futuro.

Hoje, o capitão ameaça a população brasileira com meias palavras. Anuncia um decreto que tira poder de prefeitos e de governadores para fechamento de serviços. A iniciativa, ensaiada várias vezes em falas desconectadas com a legalidade, é mais uma tentativa de pressionar o STF (Supremo Tribunal Federal) e desafiar o modelo federativo brasileiro. Para tirar a atenção da CPI.

Estimulado pelas imagens de seus seguidores, que sequestraram a bandeira brasileira para pedir intervenção militar, corromper a democracia e tentar fazer prevalecer o negacionismo a todo custo, mas principalmente porque está com medo. É mais um esforço para impedir que o general da ativa, vassalo executor da sua necropolítica, seja exposto na CPI. Sabe que ele não tem a resistência emocional, o equilíbrio psicológico e a racionalidade fundada em análise de fatos para justificar as escolhas que têm se mostrado equivocadas.

Com o Exército brasileiro manchado pela atuação desastrosa do general intendente, e agora chamado veladamente a ser o fiador de destemperada estratégia, quando anuncia um decreto "que será cumprido", o capitão está de novo buscando o diversionismo e tenta reverter a pauta do descalabro de gestão, motor da tragédia brasileira. São agora quase 412 mil mortos. O capitão tenta criar factoide.

A terceira linha é demonstrar fé na possibilidade da hidroxicloroquina como resposta ao tratamento "precoce" da covid-19, como se fosse um exercício de compaixão. Trazem exemplos de bons resultados que a ciência não atesta. Na realidade, é um disfarce para provocar a imunidade de rebanho, uma solução que resolveria a pressa do resgate da economia.

Aliás, a CPI da Pandemia vai revelando, pouco a pouco, os ideólogos que parecem sustentar a escolha do capitão para o negacionismo. De um lado, o Paulo Guedes, defensor de uma tese que antagonizava vida e economia, e que depois disfarçou, com discurso pró-vacina. De outro lado, está o tal Osmar Terra, o visionário justificador da imunidade de rebanho, para quem as mortes por covid-19 não passariam de 2 mil ou 3 mil.

O oportunismo das duas teses - uma, da economia com crescimento em V (que justificaria auxílio emergencial de curto prazo) e a outra, a imunidade de rebanho, eram as mágicas cuja hidroxicloroquina é o símbolo.