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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

General desdiz, mas precisa de mais que uma nota para negar golpismo

General Braga Netto ao lançar o Plano Pró-Brasil - Foto: Sérgio Lima/Brasil 360
General Braga Netto ao lançar o Plano Pró-Brasil Imagem: Foto: Sérgio Lima/Brasil 360

Colunista do UOL

22/07/2021 14h10Atualizada em 22/07/2021 14h45

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O general Braga desdisse o que lhe foi atribuído hoje no noticiário sobre ameaça à democracia feita ao presidente da Câmara, caso o desejo de voto impresso defendido pelo capitão reformado não seja aprovado pelo Congresso Nacional.

Na nota divulgada, reafirma o compromisso das Forças Armadas com a Constituição. É o que se espera. Embora se desconfie, pela insistência do seu titular comandante-em-chefe em se chamar dono da bola, com o "seu Exército" e com a benevolência sabuja da sua corte.

Nos holofotes, sob pressão, Braga ainda dá uma opiniãozinha sobre o assunto que está em discussão na Câmara: "Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias".

Ora, ao considerar a legitimidade de pleito da sociedade por uma maior transparência, o autor da nota deixa no ar um questionamento sobre ausência de transparência do atual sistema, sem uma base factual que justifique a dúvida em relação ao voto eletrônico adotado no país. Está, sim, se metendo onde não tem atribuição de palpitar.

Vamos admitir que o general quer apenas manter uma demonstração pública de alinhamento com o discurso do capitão. Aliás, vociferante nas suas falas, sem sustentação em provas da tal "fraude" eleitoral que antevê na derrota anunciada nas urnas, em 2022. Poliana sendo Poliana, dado que se mostrou ágil em seguir ordens para demitir generais no estalar de dedos do capitão, para assumir o seu ministério.

Também o general dá o aval dele quanto à legitimidade do debate sobre o voto, como se a ele competisse fazer juízo de valor sobre pautas do Congresso: "A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo Governo Federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema".

Podia passar sem.

O alvoroço provocado pela notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, indicando a interferência imprópria de um representante de um Poder sobre o outro, em especial sendo esse interlocutor dono de fuzis e canhões, é justificado. E revela, mais que o desmentido do general, que nega o fato, a existência de um sentimento de dúvida e de insegurança da sociedade em relação a instituições que deveriam estar fora da política, como é o caso dos militares da ativa.

E também mostra desconfiança em relação àqueles que, em postos de grande representação institucional, apenas se manifestam em apoio incondicional e submisso a políticas de um capitão, que nem de longe deixa inequívoco o seu compromisso com a democracia. A vassalagem de ocasião, de olho na distribuição dos nacos de poder.

Semelhante desconforto se dá em relação ao Congresso Nacional, hoje liderado por personagens que não estão se mostrando maiores que os seus interesses pessoais. É muita emenda de relator - nome para falta de transparência no uso de recurso públicos, com donos assentados no Parlamento. São bilhões de reais, são cargos na lista de prioridades que estão distantes do que a sociedade espera. Será o ouro mais poderoso que a instituição?

Há que se perguntar por que a sociedade de um país que viveu anos de chumbo ainda se mostra amedrontada com a fala grossa de generais, de brigadeiros, de coronéis que não têm mandato para falar em nome do povo e tampouco legalidade para impor desejos a poderes constituídos.

Onde está a nossa confiança nas instituições, que nos faz exigir sempre o reafirmar do compromisso delas para com a democracia? Que fantasmas são esses que nos assustam quando deveriam estar apenas na memória de um país que não quer reviver um passado triste?

O capitão boquirroto segue o seu plano e está à espera de um séquito.

Que cada gesto mal explicado fique explícito. E não apenas em notas oficiais, mas em comportamentos que demonstrem, de fato, o compromisso com a democracia e com o povo brasileiro.

Que as fardas sejam usadas como uniforme de proteção à Constituição e não sirvam a delírios de poder.

Que os homens e mulheres do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal reconheçam que estão investidos de poder não negociável, conferido pela democracia.

O Estadão, jornal O Estado de S Paulo, reafirma as informações publicadas.

Será preciso mais que uma nota oficial para negar os delírios antidemocráticos.