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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

"Chega pra lá" em Sérgio Reis pôs água na fervura de comboio golpista

Fumaça preta é comum em motores diesel antigos, mas não nessa quantidde - Foto: Twitter | Reprodução
Fumaça preta é comum em motores diesel antigos, mas não nessa quantidde Imagem: Foto: Twitter | Reprodução

Colunista do UOL

24/08/2021 16h18Atualizada em 24/08/2021 18h41

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Os bolsonaristas de caminhão e de retroescavadeiras perderam o entusiasmo com a manifestação conclamada pelo cantor passadista Sérgio Reis, e os seus próximos. O pragmatismo em relação às consequências da realização de atos antidemocráticos estaria se disseminando no meio dessa "tropa", depois da decisão "corajosa" da PGR (Procuradoria-Geral da República), que pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal), no que foi atendida, a busca e apreensão nas propriedades do ruralista-cantor.

Agentes de segurança e de informação não estão antecipando uma marcha sobre Brasília no dia 7 de Setembro pelos "sobrinhos do capitão". Vamos presumir que aqueles sejam mais bem informados que os espiões de Biden, surpreendidos com a tomada de Cabul pelo Talibã.

Não seria surpresa se a Praça dos Três Poderes, em Brasília, for visitada apenas por um grupo de locais, frequentadores do cercadinho do capitão, para hipotecar seu apreço a ele. E a bandeira hasteada seria o maior dos espetáculos. Mais que isso pode não acontecer.

Claro, se houver ímpeto de uns tantos para reproduzir as cenas que inspiram os movimentos golpistas - como a invasão do Congresso dos Estados Unidos, no dia 6 de janeiro deste ano, depois que Trump foi escorraçado pelas urnas - os manifestantes vão se deparar com barreiras intransponíveis. Ninguém vai pagar para ver.

O ato preventivo de ameaçar as instituições deverá ficar fora do Distrito Federal, especula-se, embora os impropérios sejam escutados em todos os níveis, da rede profunda - a deep web - às páginas conhecidas de compartilhamentos de milícias digitais, feitas a céu aberto. São Paulo é o destino do destempero dos milicianos infiltrados nas forças de segurança. A ideia é mostrar que o capitão tem o "seu Exército", com poder de acossar o arqui-inimigo Doria e demonstrar que o governador pode pouco e controla menos ainda.

Mas, antes do dia 7 de Setembro tem outros dias.

Tem a data do salvo-conduto que o Senado dá ao Aras, o incorrigível PGR, nos seus esforços de blindar o capitão. A recondução no cargo deve alterar o modus operandi do procurador. Terá ganho, pelo voto dos senadores, mais dois anos de emprego, sem correr risco de ir atrás de seguro-desemprego. Mas está distante o sonho acalentado de ocupar uma cadeira no STF. Perdeu a chance - pelo vaticínio inquestionável das pesquisas de opinião, que cravam a derrota, pelo voto, do capitão, no ano que vem. Esvai-se na névoa dos sonhos a toga de ministro da Corte.

Pode-se esperar que a tristeza de Aras, frustrado na sua ambição, venha a ser materializada em comportamento mais autônomo em relação ao capitão reformado. Promessas, à boca pequena, estão sendo feitas para acalmar instituições que ele desafia pela inação. A pressão da corporação também é uma parte, para que respeite a função. Além disso tem a vingança. O troco a ser dado por ter imolado a própria biografia a um chefe que não soube, não quis e não agiu para lhe dar o emprego desejado.

Mas, por enquanto, é a dona Lindôra, o alter ego de Aras, sua porta-voz, para que ele tenha os argumentos usados na audiência de indicação/confirmação no Senado pela heterodoxa interpretação da lei, em favor do capitão reformado. Pois é, diz ele, quem decidiu não fui eu, quando é lembrado da flexibilidade semântica da subprocuradora, ao considerar que o capitão nada fez de errado disseminando o desuso de máscara e a irresponsabilidade por aglomerações, foco de contágio do coronavírus.

Como se não bastassem tantos dias a serem vividos na corda bamba das ameaças e impropérios do capitão, determinado a testar os limites das instituições, há que se superar o Dia do Soldado.

A preocupação dos assessores, de militares, é para com a língua incontrolada e incontrolável do capitão, determinado a botar fogo no paiol, e nesse fogaréu sequestrar a honorabilidade Exército, num discurso previsto na cerimônia.

Os presidentes do Judiciário e do Legislativo foram convidados para o evento. Ninguém pode pedir o rascunho do discurso do capitão. Cada qual tem a opção de tomar um antiácido, olhar para o lado quando o capitão não se contiver na sua vocação golpista. E sair mais cedo para evitar a vergonha da foto.

Cada dia é um dia. E cada qual com a sua agonia, naturalmente agravada pelo capitão.