Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
CPI termina e Bolsonaro conta com o esquecimento da tragédia da Covid-19
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A esgrima verbal do governo federal para não reconhecer crimes que serão apontados contra o capitão no manejo da pandemia é uma tentativa primária de esconder os milhares de mortos da pandemia.
Contam com o esquecimento, com as dores acostumadas e com um pagamento mensal aos miseráveis, num plano macaqueado de política social em que o Guedes não acredita. É esse agora o mantra de um governo que se veste de sheik e faz foto de carnaval, gastando em moeda forte, longe da pobreza que avilta. E ainda se riem.
Quando o líder do governo no Senado, em entrevista ao UOL, tenta descaracterizar a tipificação penal dos malfeitos que atrasaram a imunização do povo; quando em consequência, como é cristalino afirmar, morreu muito mais gente do que um trabalho responsável de governo evitaria. Há culpa. Inegável.
A intencionalidade em promover a maior tragédia humanitária da história do país é um debate que tem no seu argumento central a ignorância deliberada de contradizer a ciência e de promover engodos.
O discurso da imbecilidade proposital, escorada em falsos doutores, levou milhares de pessoas à obediência a um receituário assassino. Essas mesmas pessoas fizeram tudo o que seu o mestre mandou, imbuídas pelo respeito à autoridade sanitária, omissa e incompetente - sim, o Pazuello (aspone com remuneração paga pelos cofres públicos) e a "pazuellada" do seu atual sucessor, o Queiroga. De quem é a culpa? Dos ignorantes crédulos ou dos crentes deliberados? Sim, há culpa pelos mais de 600 mil mortos.
O fato é que o Brasil é campeão mundial de covas abertas, de sepultamentos sem velório, de mortes sem despedidas. Vítimas que não existiriam se houvesse a vacina chegado a tempo. Perdemos tantos queridos e queridas!
Houve mortes por falta de oxigênio para atender os doentes, em Manaus, e absoluta incapacidade de lidar com a situação - seja ela fruto de um benevolente reconhecimento da incompetência, ou, o que é mais evidente, por uma crença na imunidade de rebanho pela contaminação.
Na sessão final da CPI, a emoção com caras aos números, agora com lágrimas dos sobreviventes, e histórias de famílias separadas pelo descaso com a vida. Sim, há culpa.
Se Renan Calheiros, envolvido com os seus interesses paroquiais, está colocando na longa fila de indiciados uns tantos indivíduos, que segundo uns outros poderiam ficar de fora, a crise é de ego.
A CPI tem seres humanos que também disputam holofotes e sobrevivência política. Porém, se há quase uma centena de apontados em crimes variados, para que o Ministério Público faça o seu dever e as polícias cumpram a sua tarefa de investigar e a Justiça de responsabilizar, há que se reconhecer que há muito mais responsáveis pela tragédia do que aqueles que estão na lista de Renan.
Não se matam tantos assim - são mais de 600 mil - se não houver uma conivência sistêmica, uma inércia deliberada em vários níveis.
Somos todos uma parte dessa tragédia. Quando mantivemos o grito calado na goela, quando fechamos os olhos e rimos do capitão, tratando-o apenas como um idiota - e os seus filhos como tolos. Quando esperamos pacientemente que as autoridades fizessem o seu apelo; quando aceitamos que as explicações que não vinham bastavam. Quando o Congresso se curvou em vassalagem e aí permanece, aceitamos.
O que poderia ter sido feito?
As possibilidades, passado o tempo, são um exercício retórico.
A realidade define o que é possível, a cada momento.
E, nesse momento, quando a CPI conclui o seu trabalho, temos todos a obrigação de não cair na armadilha do vocabulário estudado de quem cria o discurso, a retórica de política de interesses, de olho em orçamentos obscuros, em vantagens pessoais para seguir no mando de um rebanho letárgico.
Temos a obrigação de não nos envergonhar do que poderíamos fazer agora.
O momento é de acordar o país com o berro, em coro de todos os choros que foram calados. De resto, o mundo já está diante de nós, estarrecido.
Que os mortos, os sequelados, os sobreviventes não se calem. Que não nos calemos.
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