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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Presente de Natal de Bolsonaro para crianças é negar vacina

Jair Bolsonaro puxa máscara de criança em visita ao RN - Reprodução/Twitter/@linobocchini
Jair Bolsonaro puxa máscara de criança em visita ao RN Imagem: Reprodução/Twitter/@linobocchini

Colunista do UOL

23/12/2021 12h15Atualizada em 23/12/2021 15h03

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O coronavírus ameaça as crianças brasileiras impedidas de serem vacinadas por escolha do governo. É o presente de Natal do ex-capitão e da sua corte. Algumas dessas crianças vão adoecer. A vacina existe e não está disponível, por ordem do governo. Algumas dessas crianças vão morrer.

Nem todos entre nós somos crentes. Ou cristãos - católicos, evangélicos, espíritas - ou muçulmanos, umbandistas ou budistas. Muitos de nós não acreditam em Deus, ou no diabo. A maioria de nós, porém, quer o melhor para nossos filhos, nossas filhas, nossa família.

Muitos de nós não discriminam entre todos apenas uns poucos aos quais desejam o bem; que estejam abrigados, com saúde, alimentados. Nem todos entre nós queremos apenas que os seus próprios tenham acesso a educação, a moradia decente, a transporte, a dignidade.

Quando escolhemos alguém que tem como emprego dirigir e dar as diretrizes a um governo que afeta milhões de pessoas, pensamos escolher entre aqueles entre nós que desejam o melhor para todos.

Realisticamente, o que pode servir a muitos poderá desagradar a uns tantos. Daí a importância da sabedoria e do compromisso daquele ou daquela que escolhe em nome do todo, arbitrar, causando o menor dano possível àqueles e àquelas aos quais serve.

A digressão, imbuída de um espírito envolvido pela mágica natalina - é um recorte do momento, a expressão de uma angústia.

A polêmica provocada por um ministro da Saúde - ou meio-ministro - que aluga o seu jaleco para desrespeitar a ciência em nome de ganhos pessoais, de prestígio, de poder e de uma carreira política, assusta. Ao procrastinar o direito à vacina para as crianças serve a inconfessáveis desejos e claro delírio. O desejo é carreira política e o delírio é... o delírio.

Nos últimos dias, as diversas manifestações de incredulidade, de perplexidade, de raiva mesmo, contra as escolhas feitas pelo ex-capitão e pelo pazuello-de-jaleco fazem-nos duvidar da nossa humanidade. Foi da nossa capacidade cooperativa, de zelo pelo outro, que nos garantimos como uma espécie sobrevivente.

Onde há Deus, há o diabo.

São os instintos mais sórdidos que autorizam e estimulam aqueles que olham para as crianças - vulneráveis e que têm a possibilidade de maior resguardo de contágio, de adoecer e de morrer pelo coronavírus - e se negar a oferecer a vacina, quando há uma autorização técnica, científica, provada e testada, não apenas no Brasil, mas no mundo, em favor da imunização.

A covid-19 já matou mais crianças no Brasil, em 2021, do que todas as doenças infecciosas juntas. Não bastasse a estatística disponível no site do Ministério da Saúde, em seus boletins epidemiológicos, confirmando os óbitos, a dança diversionista em que são parceiros o meio-ministro da Saúde e o seu chefe é outra fonte de atordoamento. A quem servem suas excelências?

Os números de reprovação do governo e de seus assemelhados gritam. Mas são surdos os tolos que escutam apenas os que os ecoam.

Consolidam-se os devaneios espúrios dessas autoridades que negam as instituições científicas e querem dar voz ao negacionismo. Campeiam em busca de outros arautos da insensatez, do reacionarismo, da fantasia. Correm atrás de companheiros do terraplanismo para confundir a sociedade, enfraquecer a ciência, desacreditar as pesquisas.

O anúncio obsceno de realização de audiência pública para questionar a autorização de vacina em crianças, como forma de redução de morbidade e de letalidade, soa como um gongo à razão.

Herodes, ao proclamar o seu édito de morte, teria matado, pelas mãos de seus soldados, cerca de 20 mil crianças na Judeia, mais de dois mil anos atrás. Tentava impedir que o Cristo, recém-nascido, lhe tomasse o império, como era vaticinado. Mas o menino Jesus, numa manjedoura, aquecido pelos pais e pelos bichos, sobreviveu. E anunciou um reino maior: da justiça, da solidariedade, do amor ao próximo. Mesmo para aqueles que, como muitos de nós, não são cristãos.

Há várias maneiras de matar. Pelo uso do braço armado de tropas fiéis; pela negação do acesso aos meios de sobrevivência, pelo descaso com as necessidades básicas às pessoas que precisam de alimento, de remédio, de moradia.

Há várias maneiras de criar empecilhos à vida. Na disseminação de desconfiança, nos recursos que preservam as condições de vida das pessoas, na destruição do meio ambiente; no esparrame de mentiras que minam a confiança na ciência; na agressão a homens e mulheres que trabalham em benefício da vida. Sim, a maioria de nós, quase todos nós, aprovamos a vacina. Não foram apenas os técnicos da Anvisa.

E, se alguns entre nós são a mão do ceifador, iludem-se. Tal como Herodes.

Vacina já! Para todos e todas. Para todas as crianças. Já!