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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Partidos criam ficção eleitoral para gastar os bilhões que negam ao povo

Convenção para a fusão dos partidos PSL e DEM, formando o União Brasil, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães.  - Pedro Ladeira/Folhapress
Convenção para a fusão dos partidos PSL e DEM, formando o União Brasil, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista do UOL

17/02/2022 18h23Atualizada em 17/02/2022 18h39

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Os bilhões de reais que faltaram para salvar vidas na pandemia e nas tragédias com as chuvas no país vão sobrar na campanha eleitoral. As cenas comoventes de Petrópolis, da Bahia, de Minas Gerais e de São Paulo, com inundações, deslizamentos e mortes, não mobilizam recursos do Fundo Partidário. São quase R$ 6 bilhões reservados para a campanha.

Não se ouviu um pio de emenda dos relatores de orçamento secreto, tampouco daqueles que vão correr atrás de votos para ficar onde estão e, caso de alguns, dar um passo além.

Muito além da contagem dos votos, há uma outra lógica na definição de alianças partidárias na disputa eleitoral.

O tortuoso caminho encobre o interesse real de alguns partidos políticos. Considera-se essencialmente a garantia de sobrevivência de caciques políticos e de uma bancada com hegemonia masculina. O União Brasil faz galanteios à senadora Simone Tebet, para que ocupe a vaga de candidata à Presidência da República, numa comunhão com o MDB.

Sem considerar os méritos da senadora, voz tonitruante na CPI da Pandemia, o fato é que ela está longe de alcançar um patamar que faça cócegas nos candidatos que se situam muito adiante nas preferências declaradas do eleitor, em diversas pesquisas publicadas.

O que se ouve nos quatro cantos é a paixão que Tebet desperta e a sua viabilidade como terceira via. Que sejam as palavras ditas com pureza de alma. Sem dúvida, mulher de grande potencial e energia política. Mas, ganhos são maiores para o União Brasil - partido recém-nascido em berço de ouro, montado num cofre de quase R$ 1 bilhão de Fundo Partidário.

Eu explico.

A legislação define que há obrigatoriedade de partido reservar 30% de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas. Um valor expressivo destinado à candidatura majoritária feminina poderá concentrar grande parte do percentual exigido. O União Brasil fica livre para manter todos os seus varões candidatos, sem precisar correr atrás de candidatas para distribuir recursos e cumprir a lei. Sim, haverá algumas. Uma gestão mais simplificada do processo, já que há tanto dinheiro a gastar, e a distribuir.

Do ponto de vista da candidata Simone Tebet, o ganho em tempo de televisão, de recursos para se tornar uma personalidade política mais reconhecida, é também uma ótima oportunidade. Ninguém está falando em ganhar a eleição, mas em dar robustez a uma carreira política que despontou nacionalmente há menos de um ano.

O União Brasil está lidando com um bom problema: muito dinheiro. Uma candidatura feminina na cabeça de chapa libera muitos milhões para os donos dos partidos que se uniram em feliz consórcio. Por seu turno, o MDB segue íntegro na sua vocação de rede municipal pulverizada, sem uma clara linha ideológica, mas com um discurso que se ajeita bem longe do radicalismo de direita e se desvencilha da esquerda, de braços dados com o antigo DEM.

A intenção da lei, ao definir cotas para mulheres e negros na cena política, é naturalmente um esforço que pretende resgatar espaços historicamente negados a essas minorias, que são a maioria da população brasileira.

Não contava o legislador com a argúcia dos políticos, que aprenderam como ninguém a sobreviver nas brechas da própria lei, encampando o discurso de quem assegura direito para mulheres, quando, em verdade, devolvem a elas o percentual mínimo dos dinheiros para gastar o maior quinhão com os seus, e mantendo o poder.

Mas não só.

No horizonte ainda um tucanato se abeirando, sem se federalizar com o União Brasil, mas envergonhado, está lentamente pavimentando uma estradinha para também, na hora certa, aclamar a Tebet e poder gastar os seus caraminguás para quem sabe... reeleger Doria como governador do estado de São Paulo e manter mais calmos os seus candidatos e aspirantes, com os milhões que sobram de uma campanha majoritária para o Palácio do Planalto, oportunamente descartada.

Ah, tem Eduardo Leite. De saída do PSDB, não vai surpreender ninguém entre os emplumados se se juntar a Kassab em busca de holofotes de uma candidatura à Presidência. A mosca azul já picou. E Kassab tem o trunfo de uma candidatura presidencial para chamar de sua e negociar adiante espaço de poder. O que ganha Eduardo Leite? Bem, depois de perder as prévias no PSDB e ter sido conclamado, em evento que teve ajuda financeira do seu partido, a se candidatar à reeleição no seu estado, reconhecerá que pode, sim, ganhar notoriedade e espaço político além das amarras do tucanato para, num futuro não muito distante, entrar seriamente no jogo nacional. Por enquanto, é treino.

As contas da política deixam de fora o povo. Mas contabilizam interesses cujo foco é o tilintar de um caixa cheio. Enquanto rolam as ribanceiras dos sem-teto, sem saúde, sem escola, sem comida.

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Aos leitores, uma breve explicação: serei menos frequente neste espaço, por conta de compromissos profissionais. E sigo prezando a generosidade da sua leitura.