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Otávio Rêgo Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os militares brasileiros na política do século 21

20.nov.2016 - Integrantes do Vem pra Rua e de movimentos contra a corrupção fazem protesto em favor das 10 medidas contra a corrupção em frente ao Congresso Nacional na tarde de hoje - Pedro Ladeira/Folhapress
20.nov.2016 - Integrantes do Vem pra Rua e de movimentos contra a corrupção fazem protesto em favor das 10 medidas contra a corrupção em frente ao Congresso Nacional na tarde de hoje Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista do UOL

14/06/2022 00h00

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Nos últimos anos, os princípios basilares da democracia sofreram sérios abalos em seus alicerces e estão sob constante ataque, lutando para se mostrarem ainda válidos no alvorecer do século 21.

Mário Vargas Llosa, um liberal empedernido depois de namorar o marxismo na sua juventude, afirmou que a frivolidade da política é um dos sintomas de um mal maior que afeta a sociedade contemporânea.

Que mal maior é esse de que trata Vargas Llosa?

A descrença na efetividade das lideranças públicas e privadas, incapazes de encontrarem soluções para os desafios da democracia.

O fortalecimento de ideólogos de causas etéreas, propagadores de teses divisivas e envelhecidas.

O desarranjo do cenário internacional, que retoma o nacionalismo vigente no século 19, impedindo a cooperação como instrumento de desenvolvimento mundial.

Esse mal maior veio a atingir, do mesmo modo, o campo do poder militar nas grandes democracias.

Antigas formulações teóricas como as de Samuel Huntington (O SOLDADO E O ESTADO) ou Alfred Stepan (OS MILITARES NA POLÍTICA, título tomado por empréstimo para este artigo) que tratavam do controle das Forças Armadas pelo estamento civil também sofreram rachas em seus alicerces acadêmicos.

A tradição democrática americana de respeito mútuo entre civis e militares, com a independência de postura desses organismos sociais, foi consolidada ao longo de anos, tornando-se referência no mundo ocidental.

Um exemplo recente dessa fortaleza institucional foi dado pelo General Mark Milley (Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA), decisivo para contenção da sublevação popular quando da invasão do Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump.

Entretanto, mesmo na "América", há uma sensação de instabilidade crescente no relacionamento civil-militar.

Em 17 de dezembro de 2021, o jornal The Washington Post publicou um artigo escrito por três generais da reserva, no qual eles revelam preocupações com um conflito de sangue, incluindo as Forças Armadas como um dos contendores, na próxima eleição para presidente em 2024.

Aqui no Brasil, o envolvimento das Forças Armadas em arengas políticas data do século 19. Durante o século 20, foram chamadas a atuar, com sucesso ou fracasso, em 22, 24, 30, 35, 37, 45, 54, 55, 61, 63, 64.

Em 1985, após o período dos governos militares, houve um alinhamento dentro das Forças Armadas, que se fecharam em copas e buscaram na profissionalização de seus quadros uma forma de impedir a política dentro dos quartéis.

Na década de 2010, o cenário político convulsionou o ambiente social, levando milhões de pessoas às ruas em sinal de protesto.

Esses movimentos tiveram sua origem nos desvios políticos, jurídicos e morais revelados em inúmeros casos pela imprensa profissional.

Uma parte da população, diante do descompasso entre o que acreditava e o que era prática nas lideranças nacionais, voltou a cogitar a participação das Forças Armadas diretamente na arena política.

Um reviver do século 20.

Era a tal de "intervenção militar constitucional".

Embora tenha sido noticiado um suposto envolvimento direto dos militares na evolução dos acontecimentos, eles se mantiveram adstritos aos ditames constitucionais e, mesmo instados por vivandeiras mofadas, acampadas à porta dos quartéis, não aceitaram a missão de se insubordinar às normas legais.

Os poucos atos conduzidos no campo político pelas Forças Armadas visaram a, tão somente, atender o dístico legalidade, legitimidade e estabilidade, usado como vacina contra a radicalização das ideias.

As mudanças do cenário político foram realizadas, como se espera de um país maduro democraticamente, pelo desejo dos eleitores revelado nas urnas em 2018.

O governo que venceu as eleições buscou apoio em quadros do estamento militar para preencher áreas da administração federal que, segundo ele, precisavam de redirecionamento ideológico.

Infelizmente, pouco a pouco, criou-se na opinião pública a percepção de uma simbiose entre o governo e as Forças Armadas pelo número elevado de militares em funções antes ocupadas por civis, bem como pelas declarações do incumbente, reforçando uma ligação emocional.

Chegamos em 2022, a três meses das eleições, com uma sensação diária de que as relações entre poderes estão prestes a um rompimento.

Ao necessário equilíbrio entre os três poderes, teoria aceita desde o século 18, hoje precisaria somar-se outro ingrediente para evitar o tombamento da institucionalidade: a serenidade de lideranças motivadoras com genuíno desapego ao cargo.

Embora os últimos movimentos da arena política não sejam de buscar a serenidade, as Forças Armadas, por vezes chamadas a atuar como um moderador das grandes causas (sem aprofundar a formulação), não pode cair na armadilha de ser envolvida nessas contendas.

A história do século 20 é reveladora do quanto o destino pode ser algoz com o estamento militar nessas situações.

As experiências mostraram as dificuldades para as Forças Armadas de assumirem a vanguarda a nome de grupos externos à instituição e depois serem esquecidas ao costado quando os objetivos políticos daqueles que as impulsionaram são atingidos.

Confio em nossas lideranças militares.

Elas guardam as dificuldades pelas quais passaram.

Sabem quão difícil foi reconstruir a confiança da sociedade.

Aprenderam que o canto hipnotizador da sereia não leva a bom porto.

Não mergulhariam em uma aventura que pudesse por nódoas à farda tão respeitada.

Seria uma lastimável surpresa que um movimento nesse sentido se iniciasse e tivesse apoio institucional dos militares.

Promoveria uma ruptura cruenta da sociedade e uma divisão fraticida dos homens e mulheres de farda.

Não acredito nessa possibilidade.

Na última ronda eleitoral, o voto decidiu o destino político do país com uma guinada de rumo ideológico.

Na próxima rodada, o voto, tão somente ele, mais uma vez decidirá os destinos da sociedade brasileira.

Paz e bem!