General Heleno se agarra a tática velha de guerra já perdida
A ideia de "guerra às drogas" nasceu no seio militar do governo conservador de Ronald Reagan nos EUA na década de 1980. Basicamente, os generais americanos criaram a expressão para justificar o uso de força militar no combate à plantação de coca na Colômbia.
Quarenta anos depois, pesquisadores já demonstraram que, do ponto de vista militar, é uma guerra perdida: apesar dos bilhões gastos, o consumo só aumentou. O combate às drogas é mais eficiente quando tratado por autoridades da saúde em vez de soldados, armas e tanques.
Aos 72 anos, o general reformado Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, demonstrou estar agarrado a conceitos ultrapassados na concepção de políticas públicas para o combate às drogas. Heleno criticou campanha na qual está engajado o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), em defesa da descriminalização do porte de pequena quantidade de droga. "Uma pregação inacreditável. Merece um exame de sanidade mental, seguido por bafômetro. Os pais que ainda pretendem educar os filhos no caminho do bem precisam reagir", protestou o general.
Sem querer discutir a vinculação inexplicável entre drogas e bafômetro, o ministro limita a questão a pontos morais e familiares, como se em nada dependesse do Estado.
Um terço dos 700 mil brasileiros presos cumpre pena por tráfico de drogas. É um contingente que cresce em ritmo exponencial. A causa disso não está no aperfeiçoamento da competência policial e jurídica do país.
Em tese, a legislação estabelece, desde 2006, que o usuário de drogas não deve ser punido com a cadeia — apenas com sanções alternativas, como a prestação de serviços à comunidade ou a participação em cursos educativos. Na prática, por falta de critérios objetivos na distinção entre usuário e traficante, que fica a cargo de policiais, promotores e juízes, grande parcela da população carcerária brasileira enquadrada como traficante é, na realidade, formada por consumidores de drogas ou microtraficantes, geralmente pobres.
Parte considerável do mundo já alterou o modo do combate às drogas. Em 30 dos 50 estados americanos, o porte de drogas para uso recreativo ou medicinal foi descriminalizado. Portugal mudou sua política em 2001. Legalizou todas as drogas para consumo próprio, adotou parâmetros claros para distinguir usuário de traficante e deu ênfase ao tratamento de saúde dos dependentes. De lá para cá, obteve redução do número de mortes por uso de drogas. Em 2018, o Canadá seguiu o mesmo caminho. O Uruguai adotou a política mais radical do mundo. Legalizou não só o consumo, mas também o cultivo caseiro da maconha, e permitiu o comércio em redes de farmácias.
O Supremo Tribunal Federal analisa a constitucionalidade do artigo da lei de combate às drogas que impede a prisão de usuários. Já tem três votos a favor da descriminalização. O histórico recente da mais alta Corte de Justiça mostra que ela tem adotado, em questões sociocomportamentais — como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou do aborto de fetos anencéfalos —, posturas avançadas, à frente dos responsáveis pela elaboração das leis. A declaração da inconstitucionalidade da criminalização dos usuários de drogas, embora histórica, significará apenas um primeiro passo para a atualização da política brasileira para o setor.
O ministro Heleno deveria usar o cargo para incentivar o aumento do investimento de tempo e dinheiro na abordagem pela ótica da saúde pública. Pesquisas recentes apontam que o usuário de maconha corre mais riscos de desenvolver doenças mentais, mais riscos de abusar de álcool e de drogas pesadas, mais riscos de sofrer acidentes de automóvel. Tais conclusões demonstram que o tema não é fácil, mas deixam claro que a questão é de saúde pública, não de generais, soldados em policiais.
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