Trump se sentiria em casa no Brasil: direita e esquerda agem como ele
Os bolsonaristas se excitam com Elon Musk. Os petistas sentem calores com a inteligência artificial "made in China". Mas é Trump quem lidera o processo de latino-americanização dos Estados Unidos.
Os chineses compram 36,7% dos Teslas vendidos no mundo —o segundo maior mercado da montadora de Musk. Mais da metade dos veículos da empresa é produzida em Xangai, e 95% das peças e componentes são da própria China.
Musk é famoso por seus rompantes de raiva no ex-Twitter. Também por seu vício em ketamina, que o deixa sempre chapado, e seus doze filhos (com nomes fofos como Exa Dark Sideral e Techno Mechanicus). Mas jamais você verá Elon Musk dirigir sua incontinência verbal à China. Ele é tchutchuca de Xi Jinping. Mas precisa que Trump impeça os elétricos chineses de entrar no mercado americano.
Um dos maiores doadores para a campanha de Donald Trump foi Jeff Yass, que possui 7% do TikTok (em valores de hoje, US$ 21 bilhões). Yass convenceu Trump a revogar a proibição do app chinês. Em 2020, Trump queria banir o TikTok. Agora, faz dancinha.
O Partido Comunista Chinês, se for mesmo obrigado a se desfazer da operação americana do TikTok, indicou que gostaria de vendê-la para Elon Musk. O empresário que depende da China para a Tesla.
Dizem que os bilionários americanos não têm escapatória. Como já é comum no lado de cá do Equador, Trump também exige adesão total de empresários que não queiram ser perseguidos ou regulados por ele. Quem doou muito para a campanha ou por fora dela leva vantagem. É o famoso "quer brincar? Pague antes". O laranjão é vingativo, mas generoso com os amigos.
Os maiores críticos à meritocracia no Brasil, mas que sempre costumam ligar para amigos para arranjar um emprego para seus filhos, também se sentiriam em casa com Trump. Ele prefere lealdade à competência. Como aqui.
Patriotas traíras
Tanto Musk quanto Zuckerberg são taxados em um percentual inferior ao de um microempresário dos EUA. Ambos transferiram lucros de Tesla e Facebook para países com impostos menores. É um patriotismo que ama ferrar com a pátria americana e que enriquece países como a Irlanda.
Os empresários que se aproximam de Trump veem nele apenas um político facilmente corrompível e manipulável. Pode fazer maravilhas para as suas empresas, mas não necessariamente para a pátria.
Trump adora presentinhos, mais que receber melhorias em sítio de Atibaia ou ganhar joias sauditas. Durante seu primeiro mandato, manteve o Trump Hotel em Washington, no antigo palácio dos Correios. Todo empresário disposto ao beija-mão e a se dependurar nos testículos do presidente hospedava-se no hotel ou até promovia jantares e festas, pagando tarifa cheia.
O presidente republicano achou pouco. Neste novo mandato, criou criptomoedas com sua carinha e a de sua emburrada esposa Melania Trump. Magnatas mafiosos ou adversários dos EUA querendo fazer negócios com Trump poderão se esbaldar comprando muitas moedas do casal Donald.
Em um passado nada distante, quando moralidade e currículo tinham algum peso, prefeitos, governadores e políticos que eram donos de grandes empresas abandonavam-nas antes de assumir um cargo. Ou criavam um "trust", um fundo, ou até vendiam e se desfaziam dos negócios. O vice-presidente Nelson Rockefeller deixou a vida empresarial. Mas o nome Trump significa "Conflito". O sobrenome, "de Interesses".
O empresariado brasileiro não deve se lembrar das tarifas que Trump impôs ao alumínio e ao aço brasileiros em seu primeiro mandato, quando o parça Jair Bolsonaro era o presidente aqui. Torcer por Trump contra os interesses brasileiros é pior que viralatice.
Esquerda trumpista
Mas não é só a direita-da-boquinha que anda empolgada com Trump. Nossa esquerda-protecionista-antiglobalização também.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de Sarney, já se excitou com as medidas de Trump. Declarou que o Brasil "deveria aproveitar" para criar tarifas de importação "para certos produtos" e sugeriu uma "variação da cotação do dólar" só para a indústria. No passado, Bresser deu nome a um dos planos econômicos fracassados contra a inflação, nos anos 80, apoiou as políticas de campeãs nacionais e intervencionismo de Dilma que quebraram o país e apostou no fracasso do Plano Real. Um mago das previsões erradas.
Se Trump cumprir as promessas de dobrar os impostos para produtos chineses e estrangeiros em geral, e continuar expulsando imigrantes ilegais, que mantêm os salários baixos nos EUA, o país terá uma inflação nível Dilma.
Apesar de desconhecer o Brasil, Trump faria sucesso na Fiesp e entre economistas do PT. Já "exigiu" que o Banco Central americano, o Fed, cortasse a taxa de juros. Porque sim. Mais ou menos como Lula fazia quando Campos Neto era presidente do BC.
Nossa esquerda passou anos denunciando os males da globalização, defendendo mais protecionismo, mas sempre pedindo para algum amigo trazer produtos mais baratos de alguma viagem ao exterior. Urrava contra intervenções americanas na Ásia ou no Oriente Médio, enquanto justifica invasões de Putin. Deveria assim saudar o isolacionismo e o antilivre mercado de Trump. Ou não repararam na semelhança das pautas?
Os empresários ultraconservadores, felizes por não terem que fazer de conta que gostam de diversidade, aplaudem Zuckerberg, Musk e outros magnatas que jogaram negros, LGBTs e feministas embaixo do trem. Pode apostar: empresas que usam sem parar termos como "mulheres pretas", "povos originários" e "igualdade entre gêneros" raramente têm um único VP ou conselheiro mulher, negro ou gay. É diversidade-selfie, só pra tirar foto. Mas não são só eles que sacrificam o discursinho na primeira oportunidade.
Vários políticos do PSOL, PT e PCdoB salivam com o sucesso da DeepSeek chinesa, deixando para lá que o regime chinês de Xi Jinping acabou com as poucas ONGs LGBTs que existiam, que mulheres estejam muito longe do Politburo e que racismo seja francamente natural no gigante asiático. Quando se trata de negócios ou ideologia, as minorias são as primeiras a ser rifadas.
Aliás, até no nacionalismo verbal barato, Trump seria adorado pelos centros acadêmicos das universidades federais. Como a galera que insiste em chamar os norte-americanos de "estadunidenses". Eles acreditam que todo mundo tem direito de ser chamado como prefere, de não-binário e agênero ou x. Menos os norte-americanos, eles têm que aceitar ser es-ta-du-ni-den-ses. O adolescente grandão que está na Casa Branca também gosta dessas birrinhas gentilícias, tendo renomeado o Golfo do México como Golfo da América. Tem a mesma profundidade da UNE.
É patético ver empresários brasileiros à direita de Pinochet defendendo a política econômica petista de Trump. Igualmente patético é ver petistas horrorizados com Trump que defendem o mesmo nacionalismo embolorado e o capitalismo de compadrio por aqui.
68 comentários
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José Rubens Simões Carvalheira
Raul, teu texto reflete bem a posição de uma pessoa de direita que se diz de centro!
Wanessa Spiess
Hehehe, o Raul vinha numa sequência incrível de textos basicamente so elogios nos comentários, coisa rara no UOL. Hoje, mais um texto excelente mas prevejo reclamações dos "extremos"... dos "opostos". Para os mais equilibrados e sensatos, que sabem q nossa política está toda errada e sem salvação a curto prazo , vamos ver quantos vão sobreviver aqui nos comentários sem serem acusados de "terem lado" ou um "político de estimação "
Maria das Graças
Poucas coisas são mais semelhantes que o petismo e o bolsonarismo / trumpismo. Esses populistas são sempre iguais, projeto de país zero, projeto de poder mil. Eles nunca tem culpa de nada e as notícias ruins atribuídas aos governos deles “são falsidades criadas por perseguição política”. Veja se não se aplica a todos.