Nubank pode redesenhar o mapa de São Paulo se desafiar a Faria Lima
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O Nubank quer uma nova sede para reunir seus 8.000 funcionários, e que seja em um prédio "icônico", fotografável, para locais e turistas, segundo reportagem do Brazil Journal. Não será na Faria Lima, aquele cemitério de generosidade urbana e arquitetura.
David Vélez, Cristina Junqueira e Edward Wible, os fundadores do banco roxinho, poderiam fazer história, redesenhando o mapa de São Paulo, e mostrar que, sim, a iniciativa privada pode obter resultados que quarenta anos de promessas do Poder Público não entregaram.
Imagine 8.000 funcionários do Nubank espalhados nas quatro torres do Vale do Anhangabaú, vizinhas ao Municipal e à prefeitura. Ou em um prédio novo, vanguarda sem pudor, em uma plataforma sobre a Praça da Bandeira. Projetado a partir de um concurso internacional de arquitetura, convidando alguns dos maiores escritórios do mundo. Fazer algo inédito, sem recorrer ao amigo do amigo do primo.
A transformação do centro seria mais rápida que um batimento cardíaco. O movimento triplicaria nas dezenas de restaurantes, botecos, casas de samba, de sucos e salões de beleza (que já existem, sem ter que criar tudo do zero em um bairro afastado). Melhor: os estabelecimentos tradicionais teriam que abrir turnos noturnos, já que os horários dos Nubankers são elásticos e alternativos. O número de empregos na área dobraria.
Os demais Faria Limers veriam pelo Instagram os Nubankers indo ao Theatro Municipal ou ao Bar dos Arcos após o expediente. Almoços nos restaurantes do paraibano Onildo Rocha, no topo do Shopping Light (conhece a vista?). Ou no Dona Onça, na Casa do Porco ou no Esther? Comprando peças de design na Galeria Metrópole e vinis na Nova Barão, ou skates, tênis e tattoos na Galeria do Rock. Imagina a ciumeira? Haveria protesto com queima de coletes de gominho na esquina da JK, de Condaders querendo se mudar também.
Prazer no presencial
Mesmo que o bem-estar da sociedade e da cidade nunca sejam levados em conta, o lucro para o Nubank é garantido. Que empresa jovem não quer fomentar a cultura corporativa entre os pares, a mentoria entre veteranos e novatos, a inovação e a espontaneidade que são tolhidas pelas videoconferências? Para quem só quer trabalho remoto, no pijama-eterno-do-home-office, o Nubank teria um arma poderosa para atrair a equipe ao presencial. Quem não quer visitar ateliês de artistas na Galeria Califórnia na hora do almoço? Fazer dreads e cuidar do seu afro na Galeria do Reggae? Fazer uma reunião no charmoso Café Latte ou na centenária Casa Godinho (e comprar um queijo ou um bacalhau pro fim de semana)?
Tudo a pé, sem aqueles congestionamentos da Berrini, da Faria Lima ou do Largo da Batata. Sem a visão apocalíptica na hora do rush à primeira chuva.
Como a segurança na Faria Lima, já campeã de furtos, é um desastre, e moradores de rua são parte da paisagem do Largo da Batata, a transição para o centro não seria tão chocante. Empresas grandes já estão acostumadas a gastar com seguranças no saguão, na portaria, na calçada e nas quadras vizinhas. Com uma grande diferença no centro: a duas quadras do Anhangabaú, sobram estações de metrô. Há cinco delas a menos de 500 metros, das linhas vermelha, azul e amarela. Várias outras têm baldeação próxima.
Da segurança à zeladoria, os abnegados que resistem no centro sempre se queixam: falta uma empresa gigante com poder de pressão sobre o lerdo Poder Público. Em nível federal, as empreiteiras recebem tapete vermelho do PT. O agro e as madeireiras tinham o celular de Bolsonaro. No centro de São Paulo, não sobrou uma única empresa com gravitas pra isso. Ninguém para fazer escândalo com a obra mequetrefe nos calçadões.
Uma empresa com o cofre cheio também pode fazer o que é mais caro hoje pra qualquer prédio de escritórios do centro: atualizá-lo. Algo comum em Nova York, incomum aqui: substituir elevadores, aumentar o pé-direito dos andares, recauchutar elétrica e hidráulica, alcançar os padrões exigidos pelas seguradoras. O pequeno escritório de contabilidade ou a lojinha de capinhas de celular no térreo não têm fôlego financeiro para arcar com reformas assim. E os prédios vão se deteriorando — muitos dos quais nunca virarão residenciais, porque a planta-tipo tem espaço demais entre o elevador e as janelas.
O Brasil há décadas insiste no formato "o governo X ou a empresa Y vai para um bairro distante e tudo será feito do zero, sem erros". De Brasília à Barra da Tijuca, da Cidade Administrativa do Aécio à Berrini, tal mágica não aconteceu. O Itaú não fez o Jabaquara ficar charmoso, nem objeto de desejo, em mais de 40 anos lá. Nem o Bradesco em sua Cidade de Deus. Seus diretores continuam morando bem longe.
BTG e XP até poderiam, mas seus dirigentes não conseguem sair do óbvio. O primeiro tem sua sede em um prédio espelhado escuro, que jamais ganhou um prêmio de arquitetura. O saguão principal tem vasos dignos de agência funerária.
Já a XP, depois do malogrado projeto de fazer um campus em São Roque, decidiu ir para um espelhado genérico na Chácara Santo Antônio. Ninguém sabe o nome do arquiteto que fez o prédio, a última preocupação dos envolvidos. Na vizinhança, só tem shopping, Outback, Cobasi e McDonald's. Tão empolgante quanto jantar no América. Se 40 anos de ocupação não fizeram da Berrini um lugar legal, imagine quanto vai tempo vai levar a desolada Chucri Zaidan. Nenhum profissional disputado vai aceitar anos e anos em praças de alimentação.
A cultura do trio
O Nubank ainda poderia sapatear na concorrência nos quesitos sustentabilidade e preocupação com os funcionários. Meio ambiente não é ter sede à beira de estrada, com mega estacionamento, e obrigar funcionários a saírem de van ou de carro para almoçar em shopping, como a Natura faz. Os jovens funcionários do Nubank não veem carro como símbolo de status ou prolongamento do próprio corpo. Adorariam uma sede mais central, e menos distante, pra quem mora na Zona Norte, na Zona Leste ou no Centro Expandido. Podem pedalar, pegar metrô ou usar aplicativo.
Certamente, não estou falando em grego antigo com o trio que fundou o Nubank. Vélez nasceu em Medellín, a cidade colombiana que entrou no radar mundial graças ao mix de arquitetura, urbanismo e preocupação social ausentes de quase todas as capitais brasileiras. Visitar as favelas de Medellín é ganhar uma rajada de otimismo até com o futuro do Brasil.
Cristina cresceu na Zona Sul do Rio de Janeiro, testemunhando as vantagens de bairros mistos, densos e caminháveis. Por ter estudado na USP, também sabe os defeitos de um campus isolado de tudo. A família de Wible é de Chicago, cidade que é meca para arquitetos e urbanistas de todo o planeta. O americano deve conhecer o custo ambiental do espraiamento da Califórnia. Esse trio precisa mostrar que é mais antenado com o século 21 que seus pares.
Viradas de Centros Históricos implorando oxigênio têm paternidades e maternidades diversas. Medellín, Bogotá e Barcelona tiveram prefeitos visionários, que lideraram seus cidadãos. Em outras cidades, empresários abriram frentes e o bolso, como Dan Gilbert, em Detroit, Barry Diller e Michael Bloomberg, em Nova York, ou Carlos Slim, na Cidade do México (quem quiser, pode assistir aos vídeos que fiz sobre a recuperação do centro da capital mexicana).
Em São Paulo, é fácil demais ser pessimista. Empresas que se dizem moderninhas acham que ter um bicicletário no térreo é a nova maior descoberta da inteligência artificial. E até gigantes tecnológicas, famosas por sedes incríveis no exterior, de Amazon e Google ao Uber, se instalam em alguns dos prédios corporativos mais ultrapassados de São Paulo. Não conseguem manter um único café simpático na calçada ou uma mísera janela que abra em todo o escritório. Parecem a empresa-cativeiro de "Severance".
Na rotina de helicópteros, finais de semana em refúgios distantes, elevadores e estacionamentos VIPs, é difícil que os comandantes das grandes empresas tenham alguma experiência com a vida de rua, sensibilidade urbana. Entre a casa da praia, a casa da montanha, a casa no interior e a casa do Nordeste, o empresariado paulistano está devendo muito para o coletivo da cidade. A bola quica esperando o chute do Nubank.
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