Rodrigo Ratier

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Reportagem

'Encantadora como o piano': pesquisador propõe novo olhar para a matemática

Alunos ansiosos, com medo das tarefas e ávidos para "vencer" a disputa pela melhor nota: esse é o contexto do ensino de matemática no Brasil, onde o desempenho no campo, há anos, mostra resultados preocupantes. Segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021, somente 5% dos estudantes do ensino médio da rede pública têm aprendizado considerado adequado em matemática.

Como resposta a esse cenário, o pesquisador Jack Dieckmann propõe uma mudança no ensino que começa por uma nova relação dos estudantes com a disciplina, segundo ele, vítima de um "modelo de educar em que, se você tem sucesso, é visto como inteligente, e se fracassa é porque não é das exatas".

Diretor do Centro de Estudos de Matemática da Universidade de Stanford (EUA), Dieckmann é um entusiasta das Mentalidades Matemáticas (MM), abordagem implementada há oito anos em cursos de diferentes estados brasileiros, com resultados bem satisfatórios. A iniciativa é desenvolvida pelo Instituto Sidarta, em parceria com o Itaú Social.

Na entrevista abaixo, ele aponta novos caminhos para a educação em matemática: mais lenta e visual, menos competitiva e, consequentemente, mais atrativa para os estudantes. "Nossa experiência mostra: quando damos aos alunos tarefas desafiadoras, com tempo para cumpri-las, eles fazem jus ao desafio".

A matemática, no Brasil, é vista como uma espécie de "vilão" da educação básica por ser bastante desafiadora. Essa é uma fama mundial? Se sim, a que se deve isso?

É verdade que, no mundo inteiro, existe uma relação de medo e ansiedade com a matemática — poucos conseguem entender e avançar, mas não representam a maioria. Para muitos, há cérebros feitos para as exatas e outros mais adequados às humanas, e essa explicação é parte do problema, pois está enraizada no nosso modo de pensar.

A matemática, para quem lida com ela no dia a dia, é como a música — criativa, encantadora. Já nas escolas, ela é traduzida de forma chata, de modo que os estudantes decoram o conteúdo sem entendê-lo.

Resumindo, há a matemática das disciplinas e a matemática escolar. E o problema está nesta última, em sua forma de ensino, um modelo de educar em que, se você tem sucesso, é visto como inteligente, e se fracassa é porque não é das exatas.

Você defende uma nova abordagem diante desse panorama. Ela requer uma mudança na forma, na metodologia ou há, também, ajustes no conteúdo a serem feitos?

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Trata-se de uma mudança ainda mais profunda, em nossa relação com a matemática. Se mudamos as raízes, todo o resto pode se transformar. Pense numa aula de música, por exemplo: não é possível ensinar piano a um aluno que não gosta de música.

Portanto, a questão está na recriação desse relacionamento do estudante com o objeto de ensino, no caso, a matemática. Como é possível desfazer, por exemplo, a memória de trauma que acompanha muitos estudantes quando falamos a palavra matemática?

Esse outro modo de conexão não é tão difícil, pois a experiência demonstra que pequenas mudanças na forma de ensino geram efeitos, como dar tempo para fazerem as tarefas, desafiá-los a pesquisar e chegar ao resultado. Mas, se a raiz não mudar, essa transformação maior não vai acontecer.

E como é possível ir à raiz da questão para mudar, efetivamente, a relação dos alunos com a matemática? Pensando nas mentalidades matemáticas que você defende.

Nosso desafio é traduzir o que já sabemos de outras áreas de conhecimento para a prática docente. Há pesquisas em neurociência e em psicologia, por exemplo, que ficam restritas à discussão acadêmica — falta colocá-las na prática da sala de aula.

Um desses princípios, por exemplo, é o seguinte: o que acontece se o aluno errar? Na matemática, normalmente, parece sinal de que ele não está entendendo — o custo de errar é alto. E, no entanto, o erro faz parte do processo de aprendizagem, ele acontece quando o cérebro está pronto para gerar novas conexões.

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Outro princípio importante, além do erro, é o papel da velocidade, pois, para muitos professores, o aluno mais rápido é o mais inteligente. Isso cria uma "corrida" em que só um vence, como se a matemática fosse só para um, e não para todos.

Muitos matemáticos destacam a necessidade de valorizar o pensamento cuidadoso, lento, que tem sentido — e isso leva tempo. Essa ideia da resposta imediata para os problemas é muito prejudicial ao aprendizado na escola.

Seria necessário, também, repensar a velocidade do currículo? Há uma lista extensa de conteúdos que os professores devem cumprir na aula de matemática.

Com certeza. Com menos temas, e maior profundidade — é o que nos ensinam os países asiáticos, por exemplo, que são muito bem-sucedidos nas provas de matemática. Na escola brasileira, normalizamos o fato de que não há tempo para se entender. Há o currículo, mas quem está acompanhando?

Culpamos o aluno, e não as práticas. Sim, nós podemos mudar as normas da sala de aula, no que diz respeito à velocidade, é o que propõe a abordagem MM. São mudanças pequenas, mas com efeitos grandes, no sentido de que a experiência da sala de aula seja humana, e não de medo e julgamentos.

Nossa experiência mostra: quando damos aos alunos tarefas desafiadoras, com tempo para cumpri-las, eles fazem jus ao desafio, e não apenas os alunos com as melhores notas.

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Há três conceitos importantes que o sr. defende nessa nova abordagem, a matemática aberta, criativa e visual. Pode explicar o que eles significam?

Normalmente, quando passamos exercícios na matemática, são perguntas fechadas, com uma única resposta — o professor demonstra um método e os alunos aplicam.

A matemática aberta e criativa, por sua vez, propõe atividades com muitas respostas e diferentes jeitos de se resolver, de modo que os alunos fazem mais trocas, e os iniciantes aprendem com os mais experientes, descobrindo novos padrões ao longo do caminho.

E a dimensão visual?

Pesquisas de neurociência têm demonstrado que há partes do cérebro que se acendem durante o estudo da matemática, e uma delas é a parte visual. Muitas vezes, o professor pede que os alunos decorem fórmulas, sem pensar: como eles podem visualizar isso?

Quanto mais elementos visuais mais fácil é o aprendizado para os alunos. E isso não é difícil de entender, certo? Visualizar um problema é fundamental em qualquer investigação.

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Quanto ao papel do professor, duas funções vêm à mente quando pensamos nessa nova abordagem matemática: facilitar e desenhar atividades. Está correto pensar assim?

O olhar para o professor é uma das dimensões centrais da MM, pois, normalmente, ele é visto como o problema — como quem não explicou corretamente um conteúdo, por exemplo. É preciso vê-lo não como objeto, mas como parceiro, já que a mudança acontece através dele.

O problema está no método de ensino, e não no professor, que está fazendo o seu melhor diante de um modelo ultrapassado à luz do que dizem a neurociência e a psicologia. A sociedade, em geral, espera que o professor resolva todos os problemas, e isso não é realista — todos temos responsabilidade na educação.

E como podemos trabalhar com os professores? Garantindo formações, recursos e tempo para que eles possam planejar juntos, pois, no ritmo atual, os professores carregam os desafios sozinhos. A colaboração, a troca de estratégias, é fundamental.

*Colaborou Rafael Burgos

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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