Atentado a Trump: da retórica violenta à violência real
Atentados a presidentes ou a candidatos presidenciais não são incomuns nos Estados Unidos. Trump é o 12º presidente ou candidato a presidente a sofrer uma tentativa de assassinato.
A virada dos anos 1960 para os 1970 foi especialmente sangrenta: John F. Kennedy morto em 1963, o candidato democrata Robert F. Kennedy em 1968, o candidato independente George Wallace baleado em 1972 e as duas tentativas de assassinato ao presidente Gerald Ford em 1975.
O que talvez diferencie o ataque a Trump é a alta probabilidade de que algo do tipo viesse a ocorrer.
Aqui mesmo no UOL, Wálter Maierovich registrou o alerta do Council on Foreign Relations para o alto risco de violência extrema na campanha presidencial. E o jornal britânico The Guardian noticiou os números alarmantes de uma pesquisa realizada no final de junho pela Universidade de Chicago. A sondagem descobriu que 10% dos adultos norte-americanos apoiam violência contra Trump e 7% apoiam violência a favor dele.
Somados, os contingentes representam 44 milhões de pessoas. Uma multidão de gente que acha ok que alguém mate ou morra por causa de uma eleição presidencial.
Não há como analisar essa normalização da violência sem olhar para o plano dos discursos. A retórica divisiva, emocional e violenta surgiu no centro da cena com a ascensão de líderes populistas de extrema direita.
Não cabe falsa simetria, mas é importante ressaltar que a selvageria nas palavras hoje se encontra em ambos os espectros da política. Tornou-se uma espécie de padrão ouro no ambiente digital, essa terra sem lei onde serenidade e exame racional não engajam. Notória, a decadência do debate público privilegia a eleição de inimigos, o sentimento constante de ameaça e as imagens beligerantes.
Cabe um paralelo com as pesquisas sobre massacre nas escolas. Basicamente, elas mostram que palavras podem matar. Nas 37 escolas vitimadas por ataques de violência extrema no Brasil, os agressores — 100% do sexo masculino — foram motivados por discursos de ódio ou comunidades de violência extrema. Sua cooptação se dá em interações virtuais movidas a ressentimentos emocionais.
Na política, os atentados contra figuras notórias são a ponta do iceberg. Cada vez mais a linguagem abusiva mira categorias vulneráveis em direitos. Mulheres, não brancos, pessoas LGBTQIA+, povos originários, estrangeiros, moradores de regiões menos desenvolvidas ou simplesmente pessoas tidas como diferentes. O binarismo do nós contra eles, base discursiva do populismo, é pródigo em fabricar opostos, o eu virtuoso e o outro ameaçador. E em vitimar, fora dos holofotes, pessoas cujos nomes jamais conheceremos.
Por fim, arremesse essa liberdade para odiar em uma sociedade de cultura armamentista. Eis o previsível contínuo que começa com o uso de retórica violenta e acaba em violência real. A imensa maioria não vai passar da ideia à prática. Mas basta um para a tragédia.
Como o ódio de uns é mais visível do que o ódio de outros, uma medida sensata seria responsabilizar os "superspreaders" — figuras públicas de representação política que disseminam discurso de ódio e extremismo, autorizam e muitas vezes incitam seguidores a agir em seu nome.
Sob a falsa máscara da liberdade de expressão, esse controle não tem ocorrido. Ao contrário: é recompensado com mais exposição pelos algoritmos das mídias sociais.
Enquanto nada mudar, como diz Maria Ressa, jornalista filipina ganhadora do Nobel da Paz, a coisa vai piorar antes de melhorar.
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