Polêmicos, cursos a distância têm 2 em cada 3 ingressantes nas faculdades
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Salas de aula cada vez mais virtuais, configurando um novo tipo de ambiente de aprendizagem. Essa é a realidade do ensino superior brasileiro, que em 2023 chegou à marca de 66%, ou dois em cada três ingressantes na modalidade a distância.
É uma tendência: segundo dados do Censo da Educação Superior divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), desde 2020, o número de alunos que optam pela educação a distância (EAD) supera os estudantes da modalidade presencial, com alunos e professores em contato direto, físico e síncrono.
Mais do que uma escolha, para milhares de estudantes brasileiros, a modalidade EAD é a única oportunidade de acesso à universidade, tanto pela flexibilidade de horários, que possibilita que os estudantes trabalhem em tempo integral durante a graduação, quanto pela oferta de cursos superiores além da região onde o aluno reside.
Ainda segundo o Censo da Educação Superior de 2023, em 2.281 municípios brasileiros, cerca de 41% do total, os polos de educação a distância são a única oferta de ensino superior disponível.
É o caso de Sapezal, em Mato Grosso, onde Karla Nunes concluiu o curso de licenciatura em matemática na modalidade EAD pelo IFMT (Instituto Federal de Mato Grosso). "Aqui no meu município nós não temos universidades [presenciais], então a nossa única oportunidade de estudo é via Universidade Aberta do Brasil, tanto pelo IFMT quanto pela Unemat [Universidade do Estado de Mato Grosso]", diz.
Karla é técnica em desenvolvimento infantil e atua como intérprete de libras para alunos surdos. Ela foi estudante da primeira turma do curso de matemática a distância do IFMT, que hoje está presente em 13 polos no estado. Desde que se formou, ela fez outro curso superior, pedagogia, e uma especialização em educação inclusiva. Sempre a distância.
Com o avanço da interiorização do ensino superior impulsionado pela modalidade a distância, os cursos de graduação passaram a atrair estudantes cada vez mais diversos. Enquanto no presencial 69% dos estudantes têm até 24 anos, na EAD, a faixa etária mais expressiva é de alunos entre 25 e 39 anos, que corresponde a 49% dos ingressantes em 2022.
Já com relação à renda familiar, 76% dos estudantes da modalidade a distância possuem rendimentos familiares de até 4,5 salários mínimos, enquanto para os estudantes presenciais essa faixa é de 65%. Os dados são do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) 2022, o relatório mais recente disponível.
Com relação à oferta desses cursos, a iniciativa privada é a líder disparada na modalidade, com 96% dos alunos matriculados em graduações a distância. Isso se deve, em grande parte, às mudanças realizadas em 2017 na regulamentação da Lei nº 9.394, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases para Educação), considerada a "carta magna" da educação brasileira.
Naquele ano, as regras para o credenciamento de instituições superiores e a abertura de polos de apoio aos cursos a distância foram afrouxadas. As modificações facilitaram a expansão de instituições superiores e criação de novos polos de apoio presenciais.
Os estudantes por trás das telas
Para Tayliny Silva, estudante de análise e desenvolvimento de sistemas e mãe de Benício, de três anos, mais do que uma escolha, a modalidade EAD foi o caminho para voltar a estudar. "Eu estava fazendo história na Udesc [Universidade do Estado de Santa Catarina] e tive que trancar no último semestre por questões financeiras. Por mais que seja uma faculdade pública, eu não consegui permanecer lá. E na minha época a bolsa ainda era só de R$ 400, né?", diz.
Quando Tayliny descobriu que estava grávida, ela e o companheiro, Taz Assunção, traçaram um plano para que ambos conseguissem concluir um curso superior, sem afetar o orçamento da casa nem a criação de Benício. "Hoje a gente priorizou fazer assim: eu fico na EAD e o meu companheiro vai para o presencial. Nós dois temos que ter diploma, só que um dos dois tem que ficar em casa para quando precisar", afirma.
Já para Danielle Ramos da Silva, a graduação em design gráfico é um caminho para se qualificar ainda mais na profissão. A carioca trabalha com produção gráfica, criando artes para convites, cartões de visita e topos de bolo. Para ela, a escolha da modalidade foi motivada pela acessibilidade da EAD. "Eu sou portadora de deficiência física. Como tenho dificuldade de locomoção, preferi fazer a distância", declara. A estudante está cursando o primeiro semestre do curso no polo Unicesumar de Piabetá, região na baixada fluminense.
Primeiro membro da família a concluir o ensino superior, Adir da Conceição terminou no final de 2023 o curso de administração pública EAD na UFF (Universidade Federal Fluminense). Ao longo dos quatro anos de graduação, o estudante travou uma luta em prol da representação estudantil EAD. Hoje, mais do que a conquista do diploma, Adir também celebra os avanços alcançados em nome dos estudantes da modalidade, por meio do Centro Acadêmico de Administração Pública (CA3E), do qual foi vice-presidente.
"Nós participamos da eleição da reitoria, conseguimos trazer a eleição do DCE [Diretório Central dos Estudantes] para o voto online também, porque nós não tínhamos essa participação. Participamos das reuniões do colegiado de curso e também estivemos presentes no Congresso da UNE, em Brasília. Então conseguimos levar a representatividade estudantil a distância a um nível que as pessoas não imaginavam que poderia chegar", ressalta Adir.
Modalidade ainda enfrenta preconceitos
"Tem muitos que acham que a gente tem as mesmas oportunidades de estudar, de mudar de uma região, viver naquele mundo da universidade que não é o nosso. Nós não podemos 'só estudar', não é assim. A gente tem nossos afazeres, tem uma vida fora desse âmbito escolar".
A fala é da estudante Giovanna Pacheco, que cursa licenciatura em letras na UFF, polo Nova Iguaçu-RJ. Assim como ela, outros alunos relatam conviver com manifestações de preconceito contra o ensino a distância, que carrega o estigma de ser "mais fácil" e, portanto, com menos valor quando comparado à modalidade presencial.
A deslegitimação da modalidade se acentuou ainda mais com a expansão nos últimos anos. O cenário atual é de uma regulamentação frágil e instrumentos de avaliação defasados, que não impedem a criação e manutenção de cursos a distância de baixa qualidade.
Rita Borges, diretora da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) e avaliadora institucional do MEC, enfatiza a necessidade de supervisão da modalidade. "O que falta mesmo é fiscalização melhor, é criar indicadores de qualidade para que a gente possa efetivamente mostrar quais instituições entregam um ensino de qualidade e quais não. Então aquelas que ofertam cursos ruins vão ter que ser penalizadas", diz Rita.
Leandro Chemalle, presidente do DCE da Univesp, maior universidade pública com cursos EAD do Brasil, destaca que a defesa da modalidade é dever de todos os estudantes. "O aluno do presencial jovem hoje, se lutar por um ensino a distância melhor, está fazendo uma luta em benefício próprio. Mesmo não pensando em fazer EAD hoje, quando ele tiver 32, 33, ele vai buscar essa modalidade. Então a luta pela EAD pública, gratuita e de qualidade é uma luta não só dos estudantes da EAD, é uma luta de todos", afirma Leandro.
* Barbara Schroeder é autora da série de reportagens sobre EAD no ensino superior que venceu o 6º Edital do Jornalismo de Educação da Associação dos Jornalistas de Educação. A coluna publica versões exclusivas do trabalho vencedor.
3 comentários
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Marcelo Dias da Silva
Depois de ter concluído um curso presencial, em universidade pública estadual, há muito anos, ingressei em um curso superior EAD este ano. E estou positivamente impressionando com a qualidade dos professores e do material disponibilizado.
Silvia Reis
Eu acho que o EAD chegou para ficar. Obviamente existem cursos que não é possível ser 100% online mas uma parte da carga horária poderia ser ministrada a distância. Com as novas tecnologias e avanço da IA as instituições tem que se adaptar. O modelo 100% presencial já não funciona, temos que lembrar que vivemos diferentes realidades dentro do país, então acabar com o EAD é limitar o acesso a educação. O que deve ser feito é aumentar a fiscalizar e tornar mais rígida a avaliação dos cursos pois muitos são de péssima qualidade.
João Batista de Oliveira
Acredito que em pouco tempo esse número tende a crescer tanto que passará o número de alunos presentes em escolas presenciais...