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Thaís Oyama

O post de Villas Bôas não é sobre coronavírus

General Eduardo Villas Bôas: post mal interpretado -
General Eduardo Villas Bôas: post mal interpretado

Thais Oyama

Colunista do UOL

31/03/2020 12h24

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O texto que o general Villas Bôas postou ontem no Twitter está sendo mal interpretado. A mensagem pouco tem a ver com a discussão sobre a adoção do isolamento social como forma de combate ao coronavírus — medida que o general APOIA.

Ele trata, isso sim, dos supostos riscos institucionais que rondariam o país — que alarmam não apenas Villas Bôas, como boa parte dos militares para quem o comandante do Exército continua sendo uma referência e um canal de vocalização de receios que não podem ser enunciados em ordens do dia.

Em círculos do alto oficialato, duas preocupações dominam hoje as conversas:

1) a de que, por obra de "oportunismos políticos" que menosprezem os inevitáveis efeitos colaterais do combate ao coronavírus na economia, os governos estaduais favoreçam uma convulsão social no país, com pais de família entrando em desespero e ondas de famintos invadindo os mercados;

2) a de que posturas radicais esgarcem o tecido institucional e terminem por rompê-lo. Essas posturas radicais partem de "muitos protagonistas", como diz o texto de Villas Bôas. Militares veem entre esses protagonistas o próprio presidente Bolsonaro, que isola-se dentro de seu governo quando insiste em perpetrar atitudes tresloucadas, como fez no domingo passado indo a uma feira em Brasília. Mas Bolsonaro não é a única fonte de tensão para os militares.

Causou grande irritação na categoria, por exemplo, a atitude de um juiz de primeira instância do Rio de derrubar o decreto presidencial que definia igrejas e casas lotéricas como serviços essenciais e, portanto, autorizadas a funcionar durante a crise.

Na estratégia traçada pelo Ministério da Economia para distribuição da ajuda emergencial aos trabalhadores em risco (os "desassistidos e os que vivem na informalidade", nas palavras do general), as casas lotéricas tinham papel estratégico, dada a sua capilaridade pelo país.

Da mesma forma, incomodou militares a decisão do ministro do STF Marco Aurélio de Mello que, contrariando Medida Provisória baixada por Bolsonaro, autorizou governadores a determinar fechamentos de estradas. A explicação para o desagrado dos militares diante das duas medidas judiciais é a mesma: a desconfiança de que, a pretexto da crise, "protagonistas" tentam esvaziar a autoridade do presidente da República.

Quanto às últimas linhas do texto de Villas Bôas ("Conheço o presidente e sei que ele não tem outra motivação que não o bem-estar e a preocupação com o futuro do país. Pode-se discordar do presidente, mas sua postura revela coragem e perseverança nas próprias convicções"), é preciso lembrar que, entre os generais palacianos, ninguém se decepcionou mais cedo com o governo do ex-capitão do que o ex-comandante do Exército.

E, como dele não se pode dizer que tenha ambições políticas — acometido pela doença ELA, Villas Bôas perdeu a maioria dos movimentos e hoje se comunica por meio de um teclado acionado pelo movimento dos olhos e lábios —, é mais fácil dar-lhe crédito quando diz que faz muito do que faz com o objetivo de "emprestar" seu "capital político" ao governo Bolsonaro — que, sabem os generais, está demasiado e inelutavelmente associado ao Exército. E assim, é melhor que dê certo.